autoconhecimento
Frei Betto e Lama Padma Samten
"Hoje é tempo para criar, inovar e crescer. "
A partir dessa perspectiva, Frei Betto, escritor e frade dominicano – e o lama budista Padma Samten – também escritor, presidente e diretor espiritual do Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB), membro-fundador do Comitê Brasileiro de Apoio ao Tibete e da Teia da Paz – nos trazem seu olhar, sobre os mais variados temas, incluindo o tempo.
Dentro de sua visão filosófica, qual a perspectiva do tempo?
Frei Betto – Para o cristão, o tempo tem caráter histórico, que impregna nossa concepção de Deus. O Deus dos hebreus tinha curriculum vitae e se destacava por sua historicidade: o “Deus de Abraão, Isaac e Jacó”.
Para os gregos, era um embuste, pois necessitou de seis dias para criar o mundo. Um verdadeiro deus, diriam, é como Nescafé: cria instantaneamente. Eles não perceberam que, na Bíblia, o tempo aparece como história – terreno no qual se decide a nossa relação com Deus por meio da nossa relação com o próximo.
Lama Padma Samten – Na visão budista, no aspecto absoluto, o tempo não existe, pois não rege o que diz respeito ao aspecto mais profundo de nossa existência.
O budismo se volta para a natureza primordial, e essa experiência não é regida pelo tempo. O tempo opera por meio dos processos de relação, mas não pelos processos mais sutis. No aspecto relativo, o budismo diz que, sim, o tempo existe, e rege os aspectos transitórios da realidade – o que é construído, artificial. Um exemplo: quando o tempo passa, nossa visão sobre as coisas muda. Uma crise pode nos trazer perturbações, mas o tempo passa e elas desaparecem. Esse aspecto transitório, no qual nossa dimensão construtora da realidade dá significado às coisas, é o aspecto externo do tempo.
A falta de tempo é um dos grandes males de nossos dias. Cada vez mais, as pessoas são cobradas nas empresas onde trabalham, encaram pesadas jornadas diárias e, muitas vezes, não têm tempo sequer para a família. Como frear essa roda-viva e buscar o equilíbrio?
F. B. – Outrora, as pessoas deixavam o local de trabalho no fim da tarde e, em casa, curtiam a vida familiar ou se dedicavam ao lazer, às atividades culturais. Hoje, graças a novos recursos como o computador, muitos trabalham fora e dentro de casa. Estão cada vez mais ligados em aparatos eletrônicos e menos em parentes e amigos. Para evitar o estresse e as doenças decorrentes, é necessário estabelecer uma disciplina de vida que inclua, ao longo do dia, momentos para meditação, exercício físico, refeição tranquila e diálogo amigável. Para o rejuvenescimento do espírito, isso é muito melhor do que cirurgias plásticas.
L. P. S. – O mundo globalizado traz a sensação de que a vida é mais rica quanto mais desejos e apegos cultivarmos. A falta de tempo surge para quem aspira a muitas coisas e as transforma em ações que têm de caber nos horários de que dispõem. Esse processo ocorre por meio de uma dimensão de felicidade desenvolvida pelo indivíduo. À medida que tem mais contentamento, ele descobre que essa felicidade não depende de uma multiplicidade de planos e engajamentos. As coisas mais simples, tratadas de forma lúdica, é que produzem felicidade. Estamos dominados por um conjunto de exigências e planejamentos que nós mesmos instalamos na busca pela felicidade. Para frear isto, devemos entender os outros seres, a nós mesmos e as autoridades das regiões onde vivemos.
Segundo Sartre, o homem é um ser livre em situação e está ‘condenado’ a ser livre. Hoje, muitas pessoas estão presas às amarras da sociedade e a seus valores. Como se libertar desse modelo? Afinal, o que é ter uma vida bem-sucedida?
F. B. – O importante é ter espírito crítico. Por isso, toda escola deveria ensinar filosofia e assumir a educação como um desafio político. Ela nos ajuda a indagar não apenas ‘o que é isso?’, mas também ‘por que é isso?’, ‘para que é isso?’. Ter uma vida bem-sucedida é imprimir à existência um sentido que nos faça feliz.
L. P. S. – O homem está condenado a ser livre no sentido de que pode se libertar de tudo o que o aprisiona. A liberdade está ligada a uma experiência sutil: o que vivemos não é externo, mas inclui nossa dimensão interna, que constrói nossas visões de mundo. A vida bem-sucedida, numa visão mais ampla, não é aquela em que obtemos sucesso em todos os nossos planejamentos. Ela está ligada à experiência de felicidade, do relacionamento harmonioso conosco, com as outras pessoas, com a natureza.
Qual o principal desafio do ser humano no cenário do mundo do trabalho?
F. B. – É livrar-se do desemprego e do emprego opressivo, realizar trabalho criativo, fazer com que nossa existência coincida com nossa essência.
L. P. S. – Criar um mundo no qual a aceleração dê lugar a uma profundidade maior é a real compreensão do ser humano. Adaptar o mundo econômico a essa visão humana, e não só atingir metas e ampliar resultados. Precisamos que a atividade econômica esteja de acordo com a visão sustentável, e não que o mundo consiga simplesmente suportar nossa atividade econômica.
Como o profissional pode encontrar a harmonia entre o tempo de sua vida e o da empresa?
F. B. – Em minhas palestras corporativas, sublinho sempre o grave erro de muitas empresas que exigem de seus funcionários um ritmo excessivo e ainda internalizam a competitividade. Um colega compete com outro, um setor com outro, esquecendo que deve haver sinergia para melhor competição com o concorrente. Empresas que propiciam aos funcionários condições mais dignas de vida obtêm melhores resultados. Meia hora de meditação duas ou três vezes por semana evitam o estresse e favorecem o desempenho.
L. P. S. – Devemos pensar que não existe separação entre vida pessoal e vida profissional. Isso não significa levar trabalho para casa – ele deve ser ornamento de nossa vida, e não o contrário. Estamos aqui por razões mais profundas do que simplesmente o trabalho, no sentido de obtenção de metas e vitórias causais. Vivemos para aprofundar a noção de nossa existência. As diferentes situações que vivemos no trabalho podem ser vistas não como acidentes de percurso, mas como elementos que nos ajudam na compreensão profunda de nós mesmos e dos outros seres. Quando nos aprofundamos nesse sentido, sabemos que nossa vida está valendo à pena.
De que forma o equilíbrio pode melhorar o desempenho do funcionário e, consequentemente, os resultados alcançados pela empresa?
F. B. – É um erro avaliar um candidato a emprego apenas por seu currículo ou qualificação profissional. Mais do que razão, somos emoção. Quantos executivos ostentam MBA, PhD e, nas relações pessoais, são agressivos porque inseguros; prepotentes porque ambiciosos; arrogantes porque possuem baixa autoestima. Equilíbrio não se aprende em livros de autoajuda, mas em exercícios, dinâmicas de grupo, atividades de educação popular, trabalhos voluntários e campanhas de solidariedade.
L. P. S. – Quando os funcionários têm profundidade, são capazes de ver o novo com mais facilidade. Assim, a empresa passa a ter pessoas com aptidão de salvá-la e de definir rumos mais profundos e verdadeiros. Os funcionários tomam decisões o tempo todo, e elas devem ter sabedoria e profundidade. Para que isto aconteça, é necessário que a empresa melhore o desempenho dos funcionários pela manutenção do equilíbrio. A empresa deve incluir em seus objetivos o crescimento verdadeiro e a profundidade de seus funcionários. Deve entender que não está produzindo apenas parafusos, mas pessoas melhores dentro e fora dela.
Fonte: http://www.cebb.org.br/entrevista-com-frei-betto-e-lama-padma-samten/
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