Krishnamurti — A Virtude
autoconhecimento

Krishnamurti — A Virtude


O pensamento é o movimento entre aquilo que é e o modo como achamos que deveria ser. O pensamento é a ação do tempo a preencher esse espaço. Enquanto subsistir divisão psicológica entre isto e aquilo, esse movimento representará o tempo, que é formado pelo pensamento. Portanto o movimento do pensamento é tempo. Mas poderá existir esse movimento temporal do pensamento quando observamos unicamente "aquilo que é"? Quero dizer, não observação em termos de separação entre o observador e observado mas tão só a observação destituída do movimento de tentar passar além do "que é". É muito importante que a mente entenda isso porque o pensamento é capaz de modelar as imagens mais espectaculares do que seja sagrado e santificado, como o fizeram todas as religiões. Todas as religiões se baseiam no pensamento. Todas elas assentam na organização do pensamento, na crença, no dogma, na prática de rituais. Assim, a menos que haja completa compreensão do pensamento como sendo um movimento no tempo, provavelmente a mente nunca poderá avançar para além de si mesma.

Nós fomos treinados e educados, coagidos a mudar "aquilo que é" no que "deveria ser", no ideal, porém isso comporta tempo. Todo o movimento que o pensamento exerce para cobrir o espaço entre "o que é" e isso que "deveria ser" representa o tempo para o alterar, porém, o observador é aquilo que é observado, portanto não há nada a mudar; só existe "aquilo que é". Mas o observador não sabe o que fazer com "aquilo que é" e desse modo procura todos os métodos para o alterar, controlar e suprimir. Contudo o observador é a coisa observada: o observador é "o que é". A raiva, a inveja são também o observador; não existe inveja separada do observador porque ambos são o mesmo. Quando não subsistir nenhum movimento de tempo resultante do pensamento para mudar "o que é", quando o pensamento perceber a inexistência de possibilidade de mudança daquilo "que é" , então isso cessa completamente, porque o observador é o observado.

Investiguem isso de modo profundo e comprovarão por vós mesmos. Na verdade é bastante simples. Se não simpatizo com alguém, a antipatia não é distinta de mim nem de vós. A entidade que antipatiza é a própria antipatia; não há separação entre elas. Mas quando o pensamento diz: "necessito superar esta minha antipatia", então passa a existir um movimento no tempo, criado pelo pensamento, no sentido de superar aquilo que na realidade existe. Portanto, o observador — a entidade — e aquilo a que chamamos "antipatizar" são a mesma coisa. E desse modo passa a existir um estado de completa quietude. Não se trata da quietude de quando ficamos estáticos, mas da total ausência de movimentos; consequentemente subsiste um completo silêncio. Assim o tempo como movimento, o tempo como resultado da consciência e do pensamento, chega a um término e desse modo a ação torna-se instantânea. Desse modo a mente estabeleceu a base adequada e pode assim ver-se livre da desordem; consequentemente sucede o fluir e a beleza da virtude. Nisso reside a base da relação entre vós e o outro. Nessa relação não existe a atividade de nenhuma imagem; existe somente relacionamento e não uma determinada imagem a ajustar-se a outra. Existe somente "o que é" e não a sua mudança. A mudança do "que é" — a sua transformação — consiste na ação do pensamento no campo do tempo.

Quando chegamos a esse ponto, as células da mente e do cérebro também se tornam completamente imóveis. O cérebro, que tem a função de registrar lembranças, experiências e conhecimento, pode e precisa funcionar no campo do conhecido. Porém agora, essa mente, esse cérebro, encontra-se livre da atividade do tempo e do pensamento e permanece completamente quieto. Tudo isto ocorre sem nenhum esforço. Tudo isto deve ter lugar sem nenhum sentido de disciplina nem controle, que pertencem à desordem.

Aquilo que estamos a dizer difere completamente do que os gurus e os "mestres", os filósofos zen têm vindo a proclamar, porque não há nenhuma autoridade nisto, e tampouco seguimos a orientação de quem quer que seja, entendem? Se seguirem a orientação traçada por outros, não só se estarão a destruir como também estarão a destruir aquele que seguem. Uma mente religiosa não possui autoridade completamente nenhuma. Mas possui inteligência, e faz uso dela. No mundo da ação existe a autoridade do cientista, do doutor e do instrutor que nos ensina a conduzir, mas fora isso não existe outra autoridade nem guru.

Portanto, se conseguiram chegar até aqui então a mente terá estabelecido ordem nas relações e será capaz de compreender toda a complexidade da desordem existente nas nossas vidas. E a partir da compreensão dessa desordem, a partir da consciência disso — consciência essa que há de ser destituída de escolha — procede a beleza da virtude que não tem cultivo e que o pensamento não pode produzir. Essa virtude é amor e ordem, e se a mente tiver se enraizado nisso com intensidade, então tornar-se-á inamovível e imutável. E então poderemos investigar a natureza de todo o movimento do tempo. Nesse caso, a mente achar-se-á completamente quieta. Não existirá um observador nem ninguém para experimentar, e não subsistirá nenhum pensador.

Há diversos modos de percepção sensorial e extrasensorial: a clarividência, a cura, e toda a sorte de coisas assim podem ocorrer, mas todas elas são secundárias, pois a mente que se preocupa seriamente com a descoberta da verdade e com o que seja sagrado, jamais se intrometerá nessas coisas.

Agora a mente possuirá a liberdade para observar. E nesse caso passa a existir aquilo que o homem procurou desde sempre: o inominável e intemporal. Não existe expressão verbal para isso. A imagem criada pelo pensamento deixa totalmente de existir por não mais haver uma entidade para o expressar por palavras. A mente só o poderá descobrir — encontrar — quando possuirmos essa estranha coisa chamada amor, que é compaixão não só pelo vizinho, como também pelos animais, pelas árvores e por tudo mais. Então a própria mente torna-se sagrada.

Krishnamurti - O significado autêntico da meditação — 16 Maio 1982




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