Krishnamurti — O Milagre da Atenção
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Krishnamurti — O Milagre da Atenção


Não poderemos colocar todas as ideias, teorias e conceitos de lado e investigar por nós mesmos se existirá na vida alguma coisa sagrada, que não se fique pela palavra, pela descrição?

A palavra não é a coisa — do mesmo modo que a descrição não é aquilo que é descrito. Não poderemos pois descobrir uma verdade duradoura, algo real, que não seja o produto da imaginação nem da ilusão, do capricho nem do mito?

Para o podermos descobrir temos de pôr completamente de lado toda a espécie de autoridade — especialmente a espiritual — porque qualquer forma de autoridade implica conformismo, obediência e aceitação de diversos padrões.

A mente tem de ser capaz de manter-se só e de ser uma luz para si própria. Para aquele que pretenda investigar a questão da existência do eterno e do intemporal — que não é mensurável pelo pensamento — de tal forma que isso possa operar no seu viver diário, é de todo irrelevante seguir o exemplo traçado por outros, pertencer a um grupo ou seguir os métodos de meditação tradicionais ou estabelecidos por uma autoridade qualquer.

Se essa meditação não fizer parte do nosso viver diário nesse caso deverá tratar-se de um escape, completamente inútil. Isto implica que temos de permanecer sós. Consolidar essa observação distanciada da consciência é diferente de se isolar. Existe uma enorme diferença entre a solidão e a capacidade de permanecer assim só, nessa clareza de percepção; liberto de toda confusão e contaminação oriunda da influência.

Interessa considerar a vida no seu todo e não somente um segmento ou fragmento dela  — tudo aquilo que fazemos e pensamos, aquilo que sentimos e o modo como nos comportamos. E se a considerarmos na sua totalidade provavelmente não podemos pegar num fragmento — que é aquilo que é representado pelo pensamento — e tentar resolver com ele todos os nossos problemas. O pensamento pode investir-se de autoridade para congregar todos os outros fragmentos todavia esses fragmentos foram todos criados pelo pensamento. Nós fomos condicionados a pensar em termos de progresso e conquista gradual; as pessoas acreditam numa evolução psicológica mas será que existe de fato um "eu" que chegue a ser alguma coisa — psicologicamente — além do que é projetado pelo pensamento? Contudo, para podermos descobrir a existência de algo que não seja mera projeção do pensamento, e que não seja nem uma ilusão nem um mito temos que averiguar se o pensamento poderá ser controlado, suspenso, suprimido, de forma que isso proporcione uma mente que fique imóvel.

O controle pressupõe a existência daquele que controla e da coisa controlada, não é mesmo? Mas quem é esse que controla?

Não será ele também uma criação do pensamento, um dos seus fragmentos, que assumiu autoridade como controlador? Se conseguirmos objetivar a verdade disso então perceberemos que aquele que controla é a coisa controlada; aquele que experimenta é a coisa experimentada e o pensador é o pensamento. Não mais se trata de duas entidades separadas. Se compreendermos isso não existirá mais necessidade de controle. E se não existir mais um controlador — por percebermos ser ele a coisa controlada — que poderá então suceder?

Enquanto subsistir divisão entre o controlador e a coisa controlada deverá haver conflito e desperdício de energia. Já se o controlador for a coisa controlada tal desperdício não ocorrerá, e nesse caso toda a energia dissipada pela supressão e pela resistência — ocasionada pela divisão entre controlador e controlado — sofrerá um acréscimo.

Quando não mais existir essa divisão poderemos usufruir de toda essa energia para galgar aquilo que pensávamos dever ser controlado.

Temos que entender com toda a clareza que na meditação não pode haver controle nem disciplina do pensamento porque aquele que disciplina o pensamento é um fragmento desse pensamento; aquele que controla o pensamento é ainda um fragmento do pensamento. Se pudermos perceber a verdade disso então possuiremos toda a energia que foi dissipada através da comparação, através do controle, da supressão, para podermos transcender aquilo que "é" no presente.

Estávamos a indagar se a mente não será capaz de permanecer absolutamente imóvel porque aquilo que está quieto possui imensa energia. Na verdade dá-se um consumar das nossas energias todas. Poderá a mente — que está constantemente irrequieta e a tagarelar — o que representa a ação do pensamento constantemente a voltar-se no tempo, num ato de recordação, a acumular conhecimento, numa constante mudança - permanecer completamente imóvel?

Já alguma vez procuraram descobrir se o pensamento poderá permanecer imóvel?

Como haverão de descobrir o modo de aquietar o pensamento? Porque, o pensamento é tempo e tempo é movimento — o tempo é mensurável; vocês utilizam a avaliação e a comparação tanto física como psicologicamente, na vida do dia a dia. Mas isso significa medir; comparar significa medir. Mas, não poderão viver uma vida diária isenta de comparação? Não poderemos parar completamente de comparar, não através da meditação mas no nosso viver diário? Escolhemos quando temos de estabelecer uma diferença entre dois materiais, entre esta ou aquela peça de tecido, quando comparamos dois carros ou parcelas do conhecimento, porém o fato é que — psicologicamente, interiormente — nós nos comparamos com os outros. Mas, quando essa comparação chegar a cessar — como acabará por acontecer — não poderemos então permanecer completamente sós — num todo singular?

Porque é isso que está implícito na ausência de comparação — o que não significa que devamos permanecer num estado vegetativo.

Desse modo não poderemos levar uma vida diária isenta de comparação? Façam-no ainda que por uma só vez e poderão descobrir o que isso implica. Porque nesse caso livrar-nos-emos de todo um fardo pesado, e quando nos livramos de uma carga desnecessária passamos a conservar mais energias.

Já alguma vez deram atenção a alguma coisa de forma completa? Vocês estão a prestar atenção ao que o orador está a dizer? Ou estão a escutar com a mente comparativa que adquiriu um certo tipo de conhecimento, e está a comparar aquilo que está a ser dito com o que já sabem? Não estarão a interpretar o que está a ser dito de acordo com o vosso conhecimento, com as vossas próprias inclinações e preconceitos? Porque isso não é atenção. Mas se prestarem atenção, com todo o vosso corpo, os vossos nervos, os vossos olhos, os vossos ouvidos, a vossa mente — com todo o vosso ser, então não existirá centro nenhum a partir de qual prestam atenção; existirá somente atenção. E essa atenção representará um estado de completo silêncio.

Tenham a bondade de escutar porque infelizmente mais ninguém lhes falará destas coisas; prestem atenção ao que está a ser dito pois o próprio ato de escutar constitui o milagre da atenção. Nessa atenção não existem limites nem obstáculos; por conseguinte, essa atenção não toma direção nenhuma. Existe somente atenção e onde essa atenção estiver presente não existirá eu nem tu; não existirá dualidade, nem observador e observado enquanto coisas distintas. Mas isso não é possível enquanto a mente se mover numa direção específica.

Nós fomos educados e condicionados a mover-nos em determinadas direções — como daqui para acolá — de modo que chegamos a possuir uma ideia, um conceito, uma fórmula do que a realidade constitua, uma ideia da existência de uma benção, uma existência de algo para lá do pensamento e fazemos disso um objetivo, um ideal, uma direção, em direção do que passamos a mover-nos. Mas, quando caminhamos numa direcção qualquer não podemos ter espaço. Quando nos concentramos, caminhamos ou pensamos numa certa direção deixamos de possuir espaço mental. Do mesmo modo que deixamos de possuir quando a mente se encontra apinhada de múltiplas formas de apego e medo, ou se lança na busca do prazer, do desejo de poder e posição. Nesse caso a mente fica sobrelotada e não poderá conter espaço nenhum. E é necessário possuir espaço mental pois onde há atenção não pode haver direção mas tão só espaço.

A meditação implica a inexistência de qualquer movimento mental. Isso significa que a mente se deve encontrar completamente imóvel, sem se mover em nenhuma direção, não subsistindo desse modo movimento nenhum formado pelo tempo ou pelo pensamento.

Se perceberem a verdade disso e não somente a mera verbalização da coisa — aquela verdade que não é passível de ser descrita — então resultará essa mente imóvel e silenciosa. E é necessário possuir uma mente assim silenciosa, não propriamente para se poder dormir mais nem para executar melhor as nossas tarefas ou para ganhar mais dinheiro! A vida da maioria das pessoas é pobre e vazia. Conquanto elas possam usufruir de muitos conhecimentos a maioria das suas vidas é pobre, incompleta, infeliz e contraditória; tudo isso forma essa pobreza. As pessoas desperdiçam a sua vida tentando tornar-se interiormente ricas, cultivando várias formas de virtude e todo esse contra-senso e tolice. Não quero dizer que não necessitemos de virtude, porém, a virtude significa ordem, e nós só podemos compreender a ordem quando atendermos á nossa própria desordem. Mas o fato é que conduzimos uma forma de vida desordenada, com toda a contradição, confusão, múltiplos desejos peremptórios, dizer uma coisa e fazer outra, seguir ideais, com toda a divisão existente entre nós e o ideal, tudo isso é desordem. Mas se tivermos consciência disso e lhe dermos inteira atenção, dessa atenção poderá resultar uma ordem que em si é virtude, uma coisa viva e não inventada, tampouco praticada ou desvirtuada.

A meditação, na vida de todos os dias, consiste na transformação da mente e constitui uma revolução psicológica de tal forma que podemos viver uma vida sem teorias, sem ideais, e ter compaixão, sentir amor e energia para poder transcender a mesquinhez, a estreiteza e a superficialidade em toda a extensão desse viver.

Quando a mente se acha em silêncio — verdadeiramente imóvel e não imobilizada por ação do desejo ou da vontade — então passa a existir todo um movimento completamente diferente que não se circunscreve no tempo.

Vejam bem, não faria sentido estarmos aqui a aprofundar a questão porque tal coisa não passaria de uma referência verbal, e, por isso mesmo, irreal. Aquilo que realmente importa porém, é a arte da meditação.

Um dos sentidos da palavra arte significa colocar cada coisa no seu devido lugar; colocar tudo aquilo que é pertinente ao nosso viver diário no seu devido lugar, de modo que daí não resulte nenhuma confusão. Quando o nosso procedimento for imbuído de ordem e correção e formos capazes de manter a mente num estado de perfeita serenidade em meio a todo o nosso viver diário então essa mente descobrirá por si mesma da existência ou não desse estado imensurável. Mas até que sejam capazes de o descobrir, o que constitui a mais elevada forma de santidade, a vida poderá tornar-se enfadonha e destituída de sentido.

Por essa razão a meditação correta é algo que se torna absolutamente necessário, a fim de possibilitar que a mente se revigore, se renove e se torne inocente. Inocência implica incapacidade de sentir-se magoado. Mas tudo isso está implícito na meditação, que não se acha separada do nosso viver diário. Necessitamos de meditação mesmo para a compreensão do nosso viver do dia a dia; ou seja, prestar toda a atenção ao que fazemos — quando conversamos com alguém, o modo como caminhamos, como pensamos, e aquilo que pensamos — prestar atenção total a isso faz parte do processo da meditação.

A meditação não é uma forma de evasão nem algo misterioso, mas dela pode provir um modo de vida santificada, um modo de vida sagrada a partir do que passaremos a tratar tudo como expressão do sagrado.

Krishnamurti - O significado autêntico da meditação - 25 Março 1975




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