Não somos indivíduos, porque não estamos livres do temor
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Não somos indivíduos, porque não estamos livres do temor


Quando temos um problema, desejamos solução imediata; recorremos então a um livro, a um médico, um analista, um especialista; ou ficamos batalhando dentro de nós mesmos para achar a solução. Somos impacientes, queremos resultados imediatos e vivemos por isso em constante conflito. 

(...) Será possível a vocês e a mim, nos libertarmos de todos os nossos problemas, dos nossos sofrimentos, de nossas incontáveis necessidades?

Ser livre implica solidão completa, — o que significa a libertação do medo. É só então que somos indivíduos, não é verdade? Só somos indivíduos quando cessa completamente o temor: o temor da morte, da opinião alheia, o temor que resulta de nossos próprios desejos e ambições, o temor da frustração, o temor do não-ser. O estar só é, sem dúvida, inteiramente diferente do estar em isolamento. 

É o próprio isolamento que cria o temor; e como medida defensiva temos um grande número de barreiras, um grande número de ideias, abrigos, garantias. 

Em geral, não somos verdadeiros indivíduos, não é exato? Somos o resultado de inúmeras influências sociais, das impressões acumuladas, dos problemas interiores que nos oprimem a mente e o coração. Não somos indivíduos, porque não estamos livres do temor; e a mim me parece que, se não estamos livres do temor, nunca encontraremos uma solução verdadeira para qualquer um dos problemas humanos. 

Pois bem. É possível nos libertarmos completamente do temor? E de que temos medo? De estarmos sem segurança, de não termos as coisas de que fisicamente necessitamos, das consequências de não nos subordinarmos a determinado sistema político ou religioso, etc. 

O desejo de segurança implica temor, em nossas relações. Para sermos capazes de expressar a verdade que vemos, independentemente das ameaças que nos rodeiam, requer-se uma grande revolução em nosso pensar, não acham? 

Pode cada um de nós tornar-se completamente livre do desejo de segurança, que gera temor? Se pudermos compreender profundamente esta questão, acredito, muitos dos nossos problemas serão resolvidos. 

Estar liberto do temor é, sem dúvida, a única revolução, porquanto, uma vez livres do temor, já não somos hindus ou americanos, não pertencemos a nenhuma religião organizada, não há mais ambição, desejo de sucesso, de realização, e, por conseguinte, já não estamos empregando a nossa força contra outro. 

A isenção de temor não é uma ideia, nem tampouco um ideal que devemos lutar para alcançar; entretanto, quando nos fazemos esta pergunta: "Pode-se ser livre do temor?" — qual é a nossa reação interior? 

O temor é um empecilho básico, um obstáculo fundamental em todas as nossas relações e em nossa busca da realidade; e podemos nós — vocês e eu — em sucessivos esforços, sem análise, libertar-nos desse contágio gerador de tantos problemas? Pode-se ser totalmente isento de temor? Esta é uma pergunta difícil de respondermos a nós mesmos, não acham? 

Ser livre de temor significa, com efeito, estar isento de todo desejo de segurança econômica ou social, ou do desejo de encontrar segurança em nossa experiência pessoal. 

Esta questão, sem dúvida, é importantíssima, uma vez que toda a nossa perspectiva das coisas é prejudicada pelo temor; nossa educação, religião, estrutura social, nossos esforços em todas as esferas de ação, estão baseadas no temor. 

E pode alguém ficar livre do temor por meio de algum exercício, de alguma espécie de disciplina, pelo auto-esquecimento, pela imolação de si mesmo, pelo cultivo de qualquer crença ou dogma, ou pela identificação com uma nação qualquer? 

É claro que nenhuma dessas coisas pode nos dar a libertação do temor, visto o próprio "processo" de imitação, de submissão, de auto-sacrifício, radicar-se no temor; e ao reconhecermos a inutilidade de tudo isso e percebermos como a mente está ocupada em "projetar" defesas, abrigar-se em crenças e conhecimentos — e em todas essas coisas está sempre emboscado o temor — que devemos fazer? Como pode, então, uma pessoa libertar-se desse estado a que chamamos temor? 

Se temos disposições sérias, não acreditam ser esta uma das perguntas fundamentais que devemos fazer a nós mesmos? Desde crianças somos educados para pensar sempre sob a inspiração do temor; todas as nossas defesas, tanto psicológicas como físicas, se baseiam no temor; e como pode a mente assim educada, condicionada, libertar-se do temor? 

Pode a mente libertar-se do temor? Pode qualquer atividade da mente dar liberdade a ela própria? A própria mente, o próprio pensamento, não representa o autêntico processo do temor? E pode o pensamento anular o temor? 

Senhores, este não é um problema fácil de resolver; o que cada um de nós pode fazer, porém, é tornar-se bem cônscio do temor, sem lutar contra ele, sem analisá-lo, e, portanto, sem levantar defesas. 

E quando a mente se acha de fato muito tranquila, passivamente cônscia de todas as formas de temor que surgem, e sem empreender nenhuma ação contra elas, nessa quietude, existe a possibilidade de se dissolver o temor, sendo esta a única revolução real, fundamental; e, então, há individualidade. Enquanto há temor, não há singularidade, individualidade. 

Atualmente, nós, em geral, somos apenas o resultado de influências várias: sociais, econômicas, políticas, climáticas, etc.; não somos genuínos indivíduos e, por conseguinte, não somos criadores. A ação criadora não representa a expressão de um talento, de um dom; só se manifesta quando não existe temor, isto é, quando o indivíduo é completamente independente. 

Sem dúvida, esta questão de como ser livre é um dos nossos principais problemas, não acham? Talvez, mesmo, seja o nosso único problema; pois é o temor que, dissimulado nos mais íntimos recessos de nossa mente e de nosso coração, nos tolhe o pensar, o ser, o viver. 

Parece-me, portanto, que o que se necessita agora não é de mais filosofias, de sistemas melhores, de mais saber e ilustração, mas, sim, de verdadeiros indivíduos, inteiramente livres de temor. Porque só quando não existe temor, pode existir amor. 

Ora, podemos nós — vocês e eu — empreender a nossa libertação do temor? Podemos rejeitar todas as opiniões, todos os dogmas e crenças, que são meras expressões do temor, e atingir a fonte, o problema fundamental, que é o próprio temor? 

Ora, como já disse, a ação criadora não representa um mero talento, um dom, uma capacidade; ela excede em muito tudo isso. Só pode haver ação criadora quando a mente se acha totalmente tranquila, sem os embargos do temor, do julgamento, da comparação, sem a carga do saber e da ilustração. 

A maioria de nós, porém, anda sempre com a mente agitada, cheia de problemas, numa eterna busca de segurança; e como pode a mente, em tais condições, ser independente, livre de influências e temores? Como pode ela compreender aquela força criadora, aquela realidade — qualquer que ela seja — ou descobrir se ela existe ou não existe? 

Só quando a mente está inteiramente livre do temor há a possibilidade de realizar-se uma revolução fundamental — a qual nada tem em comum com a revolução econômica ou política; e para se ser livre de temor não se requer presteza de raciocínio, mas, vigilância constante, e um considerável percebimento, paciente, persistente, do inteiro processo do pensamento, o qual pode ser observado apenas nas relações, em nossas atividades do dia a dia. 

O autodescobrimento se realiza pela compreensão do que é, e o que é é o processo real do pensamento em qualquer momento que passa. Isso, positivamente, é meditação, e requer uma tranquilidade de espírito em que não haja exigência alguma. 

Somente quando começamos, vocês e eu, a conhecer a nós mesmos, a mente pode estar livre de temores, e só então há possibilidade, não apenas de paz interior, mas de felicidade exterior para o homem.

Krishnamurti em, PERCEPÇÃO CRIADORA






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