No percebimento encontra-se o reino da vida
autoconhecimento

No percebimento encontra-se o reino da vida


Vou explicar o que entendo por percebimento. Precisamos nos tornar conscientes do que somos.

Como nos tornamos conscientes do que somos? Ficando interessados. Isto é, ao tomarmos interesse surge uma natural concentração que desperta a vontade. Concentração é a convergência de todas as energias sobre alguma coisa em que estamos interessados. Por exemplo, quando nosso desejo está em ganhar dinheiro e no poder que ele dá, ou quando ficamos absorvidos num livro ou em qualquer atividade criadora, há, então, uma concentração natural.

A vontade desperta, quando há interesse. Quando não há vontade, surge a dispersão do pensamento, contradição de desejos. O começo do percebimento é a natural concentração do interesse, em que não há conflito de desejos e escolha, e, por isso, há a possibilidade de se compreenderem os diferentes desejos que se opõem. Se o pensamento está procurando um certo resultado definido, há exclusão ou agregação, o que conduz à falta de plenitude e isto não é o percebimento de que falo. Vocês não podem compreender toda a complexidade do processo do ser de vocês, se estiverem procurando resultados ou tentando alcançar um estado que pensam ser a paz, a realidade ou a libertação. Percebimento é a compreensão total do processo do desejo consciente e inconsciente.

No princípio mesmo do percebimento há a compreensão do que é verdadeiro. A verdade não é um resultado ou um intuito, mas é para ser compreendida. No próprio processo da compreensão, por exemplo, da ambição, há a realização do que é verdadeiro. Esta compreensão não nasce da simples razão ou da emoção, porém é o resultado do percebimento da perfeição da ação-pensamento.

Quando estamos conscientes, temos a percepção de um processo dual que em nós ocorre, — querer e não querer; desejos incontidos e desejos reprimidos. Os desejos incontidos têm a sua própria vontade. A concentração sobre os desejos incontidos e sua ação, cria um mundo de competição e divisão em mundanismo, amor da posse e ansiedade pela continuidade pessoal. Ao percebermos as consequências destes desejos incontidos, que tanta dor e tristeza nos causam, nasce o desejo de refreá-los, com sua própria vontade típica. Assim, há conflito entre a vontade incontida e a vontade de reprimir. Este conflito tanto pode criar compreensão, como confusão e ignorância. A vontade incontida e a vontade de reprimir são a causa da dualidade, fato que não pode ser negado.

Embora os opostos tenham uma causa comum, não podemos passar ligeiramente sobre eles, ou colocá-los de lado; temos de compreendê-los, para ficarmos livres do conflito dos opostos.

Sendo invejosos e, por isso, conscientes do conflito e da dor, procuramos cultivar o seu oposto, mas nisto não há libertação da inveja. O motivo que nos leva a cultivar o oposto é muito importante; se for um desejo de fugir da luta e do sofrimento da inveja, então o seu oposto torna-se idêntico a ele mesmo, e, porquanto, não há libertação da inveja. Ao passo que, se considerarmos profundamente a causa intrínseca da inveja e nos tornarmos percebidos de suas várias formas, com suas incitações, então, neste entendimento, há libertação da inveja, sem criar seu oposto. A concentração que surge no processo de percebimento não resulta do auto-interesse ou da mórbida introspecção. Estar interessado é ser criador e isto é felicidade. Esta concentração do interesse vem naturalmente, quando há percebimento. Quando há compreensão do processo dos desejos incontidos, com sua denominada vontade positiva e repressiva, nasce a plenitude, o preenchimento que não é criação do intelecto. O intelecto, a faculdade de discernir, é o instrumento do entendimento e não um fim em si mesmo. O entendimento transcende à razão e à emoção.

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O percebimento surge, quando há interesse em compreender, mas o interesse não pode ser criado pela simples vontade e controle. Se derem verdadeiro valor às coisas, somente para não haver conflito, estão vivendo num estado de ilusão, pois então não compreenderão o processo do desejo que cria conflito e dor.

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Existe a auto-análise, a introspecção, se não tiverem entendido a experiência do presente. Na auto-análise vocês saem para fora do fluxo da vida, examinando uma coisa que é passada e morta; ao passo que existe um processo natural de observação, de exame no movimento, no viver, que pertence à própria vida.

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O percebimento é o processo da plenitude, e a introspecção é incompleta. O resultado da introspecção é mórbido, doloroso, ao passo que o percebimento é entusiasmo e alegria.

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O percebimento está no momento da ação; se estamos percebidos entendemos compreensivamente, como um todo, causa e efeito da ação, o processo imitativo do medo, suas reações, etc. Este percebimento liberta o pensamento das causas e influências que o limitam e prendem, sem criar mais cativeiro, e assim o pensamento torna-se profundamente flexível, o que é ser imortal. A auto-análise ou introspecção tem lugar, antes ou depois da ação, preparando, assim, o futuro e limitando-o.

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No percebimento há somente o presente, isto é, estando apercebidos, veem o processo passado de influência que controla o presente e modifica o futuro. O percebimento é um processo integral, não um processo de divisão. Por exemplo, se faço a pergunta "acredito em Deus?", no próprio decurso da pergunta posso observar, se estiver apercebido, o que é que me leva a fazer esta pergunta; se estou atento, posso compreender quais foram e quais são as forças em ação, que estão me compelindo a fazer esta pergunta. Então, estou apercebido das várias formas de medo, daquele com que os meus antepassados criaram uma certa ideia de Deus e a me transmitiram, e, combinando sua ideia com as minhas reações presentes, modifiquei ou mudei o conceito de Deus. Estando desperto, compreendo este processo inteiro do passado, seu efeito no presente e no futuro, integralmente, como um todo.

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Por favor atentem bem nisto. Não pode haver percebimento, essa vigilância da mente e das emoções, enquanto a mente estiver ainda prisioneira do prazer e da dor. Isto é, quando uma experiência lhes proporciona dor e ao mesmo tempo lhes dá prazer, vocês nada fazem. Só agem, quando a dor é maior do que o prazer; porém, se o prazer for maior, absolutamente nada fazem, porque não há conflito agudo. É somente quando a dor ultrapassa o prazer, quando aquela é mais aguda, que exige a ação.  

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O percebimento de todo o ser de vocês está na razão direta da consciência de seus pensamentos-emoções.
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Vocês pensam separadamente na emoção; não pensam com sentimento. A reação faz vocês pensarem, porém, não ousam pensar por completo, nesse percebimento emocional de que falo, porque, se o fizessem, seriam forçados a afrouxar as ligaduras que lhes prendem. Vocês tem de se tornarem perfeitamente simples, inteligentes.

Quando estiverem verdadeiramente livres da distinção entre pensamento e emoção como funções separadas, então não haverá percebimento, mental nem emocional; será o percebimento perfeito, no qual mente e coração estarão fundidos em um só.

No percebimento, cessa toda a distinção. A distinção individual na ação somente desaparece pelo pensamento ao completar-se a si próprio pelo percebimento emocional; isto é, por meio da perfeita harmonia da mente e do coração.
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É somente quando existe inteligência, essa harmonia da mente e do coração, esse constante percebimento, que é discernimento do intrínseco valor das coisas, liberto de tradições do passado e de esperanças no futuro, que acontece a realização da eternidade.

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Mediante o percebimento alcança-se o reino da vida.  

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK




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