Pode alguém me ajudar a ficar livre da dependência psicológica?
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Pode alguém me ajudar a ficar livre da dependência psicológica?


Questionador: Sou dependente, em especial psicologicamente, das outras pessoas. Quero me livrar dessa dependência. Mostre-me, por favor, o caminho para a liberdade.

Krishnamurti: Psicologicamente, no íntimo, somos dependentes de rituais, de ideias, de pessoas, de coisas, das posses — ou não somos? Somos dependentes e queremos nos libertar dessa dependência porque ela nos faz sofrer. Enquanto essa dependência é satisfatória, enquanto eu encontro felicidade nela, não quero ser livre. Mas quando a dependência me faz sofrer, quando a coisa de que dependo foge de mim, fenece, murcha, olha para outra pessoa, desejo libertar-me.

Mas será que quero me libertar por inteiro de todas as dependências psicológicas ou somente daquelas que me fazem sofrer? Obviamente, das dependências e lembranças que me fazem sofrer. Não quero me libertar por completo de todas as dependências; quero apenas me ver livre de alguma dependência particular. Assim, busco meios de me libertar ou pelo a outras pessoas que me ajudem a ficar livre de uma dependência específica que me traz dor. Não quero ficar livre do processo total da dependência.

Pode alguém me ajudar a ficar livre da dependência, tanto da específica como da total? Será que posso mostrar a vocês o caminho — sendo o caminho a explicação, a palavra, a técnica? Se eu lhes mostrar o caminho, a técnica, se eu lhes der uma explicação, vocês vão ficar livres? Vocês ainda terão um problema, ainda vão ter a dor da dependência, não? Nenhuma demonstração minha, nenhuma discussão sua comigo vai libertá-los da dependência. E o que se deve fazer?

Percebam por favor a importância disso. Vocês pedem um método que os liberte de uma dependência particular ou da dependência total. O método é uma explicação que vocês vão praticar e viver a fim de se libertarem, não é? Assim, o método se torna uma nova dependência. Tentando se libertar de uma dependência específica, vocês introduzem outra forma de dependência.

Mas se estiverem de fato preocupados com a liberdade total de todas as dependências psicológicas, se realmente estiverem voltados para isso, vocês não vão me pedir um método, o caminho. Nesse caso, vocês vão fazer uma pergunta bem diferente, não? Vocês vão perguntar se têm capacidade para lidar com isso, a possibilidade de fazer algo a respeito da dependência. Logo, a pergunta não é como se libertar de uma dependência, mas "Posso ter a capacidade de tratar do problema como um todo?" Se tenho a capacidade, não dependo de ninguém. É só quando digo que não tenho a capacidade que peço: "Ajude-me, por favor; mostre-me o caminho". Mas se tenho a capacidade para tratar do problema da dependência, não peço a ninguém que me ajude a dissolvê-lo.

Espero estar sendo claro. Julgo muito importante não perguntar "Como?" mas "Posso ter a capacidade de tratar do problema?" Porque, se sei lidar com ele, estou livre do problema; não procuro mais um método, o caminho. Posso ter a capacidade de tratar do problema da dependência?

Ora, em termos psicológicos, quando vocês fazem essa pergunta a si mesmos, o que acontece? Quando fazem conscientemente a pergunta "Posso ter a capacidade de me libertar dessa dependência?" o que acontece psicologicamente? Vocês já não estão livres dela? Vocês eram dependentes em termos psicológicos e agora perguntam: "Tenho a capacidade de me libertar?" Está claro que, no momento em que fazem essa pergunta com vigor a si mesmos, já há liberdade com relação a essa dependência.

Espero que vocês estejam não só acompanhando verbalmente como vivenciando de fato o que estamos discutindo. Eis a arte de escutar — não só escutar as palavras, como também o que de fato está ocorrendo na mente de vocês.

Quando sei que tenho essa capacidade, o problema deixa de existir. Mas como não a tenho, quero que alguém me mostre. Assim, crio o Mestre, o guru, o Salvador, alguém que vai me salvar, que vai me ajudar. Logo, torno-me dependentes deles. Mas se tiver a capacidade de resolver, de compreender a questão, tudo fica muito simples e deixo de ser dependente.

Isso não quer dizer que eu esteja cheio de autoconfiança. A confiança que vem existir através do eu, do "si-mesmo", não leva a lugar algum, visto fechar-se em si mesma. Mas a própria pergunta "Posso ter a capacidade de descobrir a realidade?" dá uma introvisão e uma força fora do comum. A pergunta não é se tenho a capacidade — eu não a tenho —, mas, "Posso ter a capacidade?" Então saberei abrir a porta que a mente vem fechando com suas próprias dúvidas, com suas próprias ansiedades, seus medos, suas experiências, seu conhecimento.

Portanto, quanto todo o processo é percebido, a capacidade está presente. Mas essa capacidade não há de ser encontrada mediante nenhum padrão particular de ação. Não posso compreender o total por meio do particular. Mediante uma análise particular de um problema especial, não compreenderei o todo. Assim, será que posso ter a capacidade de perceber o todo — não de compreender um incidente específico, um acontecimento em particular, mas de perceber o processo total da minha vida, com suas tristezas, sofrimentos, alegrias, a eterna busca de conforto? Se eu puder fazer essa pergunta com vigor, a capacidade estará presente.

Dispondo dessa capacidade, posso tratar de todos os problemas que surgirem. Sempre haverá problemas, incidentes, reações; isso é a vida. Como não sei o que fazer com eles, procuro outras pessoas a fim de descobrir, para perguntar qual a maneira de tratar desses problemas. Mas quando faço a pergunta "Posso ter a capacidade?" isso já é o começo daquela confiança que não é do "si mesmo", do eu, que não é a confiança que vem à existência por meio da acumulação, mas a confiança que se renova constantemente a si mesma, não através de alguma experiência ou incidente particular, mas da compreensão, da liberdade, de modo que a mente possa descobrir aquilo que é real.

Krishnamurti - Londres, 7 de abril de 1953





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