autoconhecimento
Sobre o processo e a natureza do pensamento
A crise está na própria natureza do pensamento. O mundo exterior e o mundo interior são frutos do pensamento. O pensamento é um processo material. O pensamento construiu a bomba atômica, o vaivém espacial, o computador, o robô, e todos os armamentos bélicos. O pensamento construiu também as belíssimas catedrais e igrejas, com tudo o que elas contêm. Mas não há absolutamente nada de sagrado no movimento do pensamento. O que o pensamento criou como símbolo, e que você adora, não é sagrado; foi colocado ali pelo pensamento. Os rituais, todas as religiões e as divisões nacionais são resultado do pensamento.
(...) A crise, portanto, está na própria natureza do pensamento. E, como dissemos, o pensamento é o resultado da origem dos sentidos, das respostas sensoriais, da experiência, que encontram algo que ficou registrado como conhecimento, como memória, e, dessa memória, nasce o pensamento. Este tem sido o processo e a natureza do pensamento ao longo de incontável número de anos. Toda a cultura, desde o antigo Egito e mesmo antes, baseia-se no pensamento. E o pensamento criou toda a confusão interior e exterior... Ou seja, as reações sensoriais quando você se depara com algo — isto é uma experiência, a experiência é registrada como conhecimento, o conhecimento se torna memória e a memória age como pensamento. Dessa forma, a partir daquela ação, você aprende mais, acumula mais conhecimento. E assim o homem tem vivido há mais de um milhão de anos neste processo —, nessa cadeia. Espero que isso tenha ficado bem claro.
Nossa crise , portanto, está na própria natureza do pensamento(...) Nossos cérebros, por viverem neste círculo vicioso de experiência, conhecimento, ação, memória, mais conhecimento, têm problemas, pois o conhecimento é sempre limitado. Nossos cérebros foram então treinados para resolver problemas. Trata-se de um cérebro solucionador de problemas, jamais um cérebro livre de problemas(...) Nossos cérebros foram treinados para resolver problemas tanto no mundo científico quanto no mundo psicológico, no mundo do relacionamento. Surgem os problemas, nós tentamos solucioná-los. A solução é sempre procurada no domínio do conhecido.
Como dissemos, o conhecimento é sempre incompleto. Isto é um fato. Eis um ponto bastante importante a ser observado, com percepção sensitiva: que o conhecimento jamais é completo, sejam quais forem as circunstâncias(...) E como o conhecimento é sempre limitado, e continuamos a agir nestes domínios, há um eterno conflito. Isto precisa ser compreendido. Tentamos solucionar os problemas — políticos, religiosos, os relacionamentos pessoais, etc. — e os problemas jamais são resolvidos. Você tenta resolver o problema e a própria solução provoca outro problema, como acontece no mundo da política. E então você se volta para a fé, para a crença. Como talvez já tenham observado, a crença atrofia o cérebro.(...) Quando a pessoa fica apegada a uma crença, a uma outra pessoa ou a uma ideia, há conflito nesse apego, há medo, ciúme, ansiedade, e isso é parte da atrofia do cérebro, essa repetição constante.(...) Se você reparar bem, vai reparar como a repetição disso enfraquece o cérebro e ele vai ficando cada vez mais embotado...
Se você examinar com cuidado, perceberá que o apego a uma crença é parte do desejo de segurança, e esse desejo e exigência de qualquer forma de segurança psicológica produz a atrofia do cérebro. Disso resultam todos os tipos de comportamento neurótico. A maioria de nós preferiria rejeitar essa noção, porque se trata de algo assustador. Essa é a verdadeira natureza da mediocridade. Quando você procura um guru, um sacerdote, uma igreja, e se põe a repetir, a repetir, e a meditação é uma forma de repetição — há nisto uma segurança, o sentimento de que se está salvo, e assim, pouco a pouco, seu cérebro vai ficando atrofiado; ele murcha e se apequena(...) Você pode observar isso na sua vida. Mas esta observação da crise, bem como a crise que existe no seu coração, na sua mente e na sua consciência, produzem sempre conflito, porque somos incapazes de solucionar qualquer problema completamente sem criar outros problemas. Basta ver o que se passa conosco — problema após problema, crise após crise, incerteza após incerteza.
Poderá então o cérebro, a mente, libertar-se um dia destes problemas?(...) Mas o cérebro foi de tal forma treinado para resolver problemas que não pode compreender o que vem a ser estar livre de problemas. Estando livre, ele pode resolver problemas, mas o inverso não é verdadeiro...
Se isto estiver bem claro, perguntamos se existe outro instrumento capaz de libertar a mente de todos os problemas, de maneira a fazer com que ela se torne capaz de enfrentá-los. Percebem a diferença? Apenas a mente livre, o cérebro livre, sem problemas, pode enfrentar os problemas e resolvê-los de imediato. Mas o cérebro treinado para a solução de problemas, esse cérebro viverá sempre em conflito. E então surge a pergunta: Como é possível ficar livre de conflito se, conforme dissemos, o pensamento é o instrumento que cria os nossos problemas?
Krishnamurti, Ojai, 3 de maio de 1981
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