Viver Correto e Autoconhecimento
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Viver Correto e Autoconhecimento


Em meio a tanta confusão e sofrimento, é essencial encontrar um entendimento criativo de nós mesmos, pois sem ele nenhum relacionamento é possível. Somente através do pensar correto pode haver entendimento. Nem líderes, nem um novo conjunto de valores, nem um projeto pode produzir este entendimento criativo; somente através do nosso próprio esforço correto pode haver entendimento correto.

Como é possível então encontrar este entendimento essencial? De onde começaremos a descobrir o que é real, o que é verdadeiro, em toda essa conflagração (Conflagração da segunda guerra mundial.), confusão e miséria? Não é importante descobrirmos por nós mesmos como pensar corretamente sobre a guerra e a paz, sobre a condição econômica e social sobre nosso relacionamento com os nossos companheiros?

Certamente existe uma diferença entre o pensar correto e o pensamento correto e condicionado. Podemos ser capazes de produzir em nós mesmos pensamento correto imitativamente, mas tal pensamento não é o pensar correto. O pensamento correto e condicionado é não-criativo. Mas quando soubermos como pensar corretamente por nós mesmos - que é ser vivo, dinâmico - então é possível produzir uma cultura nova e mais feliz.

Gostaria de, durante estas palestras, desenvolver o que me parece ser o processo do pensar correto, para que cada um de nós seja realmente criativo - e não meramente fechado em uma série de idéias e preconceitos.

Como vamos então começar a descobrir por nós mesmos o que é o pensar correto? Sem o pensar correto não é possível a felicidade. Sem o pensar correto, nossas ações, nosso comportamento, nossos afetos, não têm base. O pensar correto não é para ser descoberto através dos livros, através do assistir a umas poucas palestras, ou por escutar meramente algumas idéias de pessoas sobre o que é o pensar correto. O pensar correto é para ser descoberto por nós mesmos através de nós mesmos. O pensar correto vem com o autoconhecimento. Sem autoconhecimento não existe pensar correto. Sem conhecer-se a si mesmo, o que você pensa e o que sente não pode ser verdadeiro. A raiz de todo entendimento encontra-se no entendimento de si mesmo. Se você pode descobrir quais são as causas de seu pensamento-sentimento, e a partir desta descoberta, saber como pensar-sentir, então existe o começo do entendimento. Sem conhecer-se a si mesmo, a acumulação de idéias, a aceitação de crenças e teorias não têm base. Sem conhecer-se a si mesmo, você sempre será pego na incerteza, dependendo do humor, das circunstâncias. Sem entender-se a si mesmo completamente, você não pode pensar corretamente. Com certeza isto é óbvio.

Se eu não sei quais são os meus motivos, minhas intenções, meu "background" (fundo), meus pensamentos-sentimentos particulares, como é que posso concordar ou discordar de outra pessoa? Como posso avaliar ou estabelecer minha relação com outra pessoa? Como posso descobrir qualquer coisa da vida se não conheço a mim mesmo? E conhecer a mim mesmo é uma tarefa enorme, que requer observação constante, uma vigilância meditativa.

Esta é nossa primeira tarefa, mesmo antes do problema da guerra e da paz, dos conflitos econômicos e sociais, da morte e da imortalidade. Estas questões vão surgir, elas hão de surgir, mas na descoberta de nós mesmos, no entendimento de nós mesmos, estas questões serão respondidas corretamente. Assim, aqueles que são realmente sérios nestas questões devem começar por eles mesmos, a fim de entender o mundo do qual são uma parte. Sem entender-se a si mesmo você não pode entender o todo.

O autoconhecimento é o começo da sabedoria. É cultivado pela busca individual de si mesmo. Não estou colocando o indivíduo em oposição à massa (ao coletivo). Eles não são antíteses. Você, o indivíduo, é a massa, é o resultado da massa. Em nós, como você vai descobrir se entrar nisto profundamente, se encontra a multiplicidade e o particular. É como um córrego que está constantemente fluindo, deixando pequenos redemoinhos, e a estes redemoinhos chamamos de individualidade, mas eles são o resultado desse constante fluxo de água. Seus pensamentos-sentimentos, aquelas atividades mentais-emocionais, não são o resultado do passado, do que chamamos a multiplicidade? Você não tem pensamentos-sentimentos similares aos do seu vizinho?

Assim, quando falo de indivíduo, não o estou colocando em oposição à massa, ao coletivo. Ao contrário, quero remover este antagonismo. Este antagonismo que coloca em oposição a massa e você, indivíduo, cria confusão e conflito, crueldade e miséria. Mas se pudermos entender como o indivíduo, você, é parte do todo, não apenas misticamente, mas realmente, então nos libertaremos de modo feliz e espontâneo, da maior parte do desejo de competir, de ter sucesso, de iludir, de oprimir, de ser cruel, ou de se tomar um seguidor ou um líder. Então veremos o problema da existência de modo diferente. E é importante entender isto profundamente. Enquanto nos virmos como indivíduos, separados do todo, competindo, obstruindo, em oposição, sacrificando o coletivo pelo particular, ou sacrificando o particular pelo coletivo, todos aqueles problemas que surgem deste conflitante antagonismo não terão solução feliz e duradoura, pois são o resultado do pensar-sentir incorreto.

Agora, quando falo sobre o indivíduo, não o estou colocando em oposição à massa. O que eu sou? Sou um resultado - sou o resultado do passado, de inúmeras camadas do passado, de uma série de causas-efeitos. E como posso estar em oposição ao todo, ao passado, quando sou o resultado daquilo tudo? Se eu, que sou a massa (o coletivo), se não entender a mim mesmo, não apenas entender o que está fora da minha pele, objetivamente, mas subjetivamente, dentro da pele, como posso entender outra pessoa, o mundo? Entender a si mesmo requer desapego amável e tolerante.

Se você não entender a si mesmo, não entenderá nada mais. Pode ter grandes ideais, crenças e fórmulas, mas elas não terão realidade. Serão enganos. Assim, você deve conhecer-se a si mesmo para entender o presente - e através do presente, o passado. Do presente conhecido, as camadas escondidas do passado são descobertas, e esta descoberta é libertadora e criativa. Entender a nós mesmos requer um estudo objetivo, amável, desapaixonado de nós próprios - nós próprios sendo o organismo como um todo, nosso corpo, nossos sentimentos, nossos pensamentos. Eles não estão separados, mas interligados. É somente quando entendemos o organismo como um todo que podemos ir além - e podemos descobrir coisas mais adiante, maiores, mais vastas. Mas sem este entendimento primário, sem colocar o alicerce correto para o pensar correto, não podemos prosseguir para alturas maiores.

Torna-se essencial produzir em cada um de nós a capacidade de descobrir o que é verdadeiro, pois o que é descoberto é libertador, criativo. Pois o que é descoberto é verdadeiro. Ou seja, se meramente nos conformarmos a um padrão do que deveríamos ser, ou ceder a um anseio, isso produz certos resultados conflitantes, confusos. Mas no processo do nosso estudo de nós mesmos, estamos numa viagem de autodescoberta, o que traz alegria. Existe uma certeza no pensar-sentir negativo em vez do pensar-sentir positivo. De uma maneira positiva supomos o que somos, ou cultivamos positivamente nossas idéias em relação a outras pessoas, ou em relação a nossas próprias formulações. E, portanto, dependemos de autoridade, de circunstâncias, esperando com isto estabelecer uma série de idéias e ações positivas. Ao passo que se você examina, verá que existe concordância na negação; existe certeza no pensar negativo, que é a mais alta forma de pensar. Uma vez que você descobre a negação verdadeira e a concordância na negação, então pode construir mais adiante no positivo.

A descoberta que reside no autoconhecimento é árdua, pois o começo e o fim está em nós. Buscar felicidade, amor, esperança fora de nós leva à ilusão, ao sofrimento; encontrar felicidade, paz, alegria dentro (de nós) requer autoconhecimento. Somos escravos das pressões imediatas e exigências do mundo, e somos desviados por tudo isso e dissipamos nossas energias em tudo isso, e assim temos pouco tempo para estudar a nós mesmos. Estarmos profundamente cientes de nossos motivos, de nossos desejos de alcançar, de vir-a-ser, exige constante atenção interna. Sem o entendimento de nós mesmos, mecanismos superficiais de reforma social e econômica, mesmo que necessários e benéficos, não irão produzir unidade no mundo, mas somente maior confusão e miséria.

Muitos de nós pensamos que a reforma econômica de uma ou outra forma vai trazer paz ao mundo; ou que a reforma social, ou uma religião especializada conquistando todas as outras vai trazer felicidade ao homem. Acredito que haja algo como oitocentas ou mais seitas religiosas neste país, cada uma competindo, fazendo proselitismo. Vocês pensam que uma religião competitiva vai trazer paz, unidade e felicidade à humanidade? Pensam que qualquer religião especializada seja o Hinduísmo, o Budismo ou o Cristianismo, vai trazer paz? Ou devemos colocar de lado todas as religiões especializadas e descobrir a realidade por nós mesmos? Quando vemos o mundo explodido por bombas e sentimos os horrores que estão acontecendo nele; quando o mundo está fragmentado por religiões, nacionalidades, raças e ideologias separadas, qual é a resposta a tudo isso? Não podemos apenas continuar vivendo uma vida curta e morrendo - e esperar que algum bem, advenha disso. Nós não podemos deixar isso para os outros - trazer felicidade e paz à humanidade, pois a humanidade é nós mesmos, cada um de nós. Aonde se encontra a solução, senão em nós mesmos?

Descobrir a resposta real requer profundo pensamento-sentimento e poucos de nós estão dispostos a resolver essa miséria. Se cada um de nós considerar esse problema como jorrando de dentro - e não ser meramente conduzido nessa confusão e miséria pavorosa, então iremos encontrar uma resposta simples e direta.

No estudo e, assim, no entendimento de nós mesmos, virá claridade e ordem. E só pode haver claridade no autoconhecimento, que nutre o pensar correto. O pensar correto vem antes da ação correta. Se nos tornarmos conscientes de nós mesmos e assim cultivarmos o autoconhecimento de onde jorra o pensar correto, então criaremos um espelho em nós que refletirá, sem distorções, todos os nossos pensamentos-sentimentos.

Estar assim autoconscientes é extremamente difícil, já que nossas mentes estão acostumadas a divagar e a estar distraídas. Suas divagações, suas distorções são de seu próprio interesse, suas próprias criações. No entendimento disto - e não meramente colocando isto de lado - vem o autoconhecimento e o pensar correto. É apenas por inclusão e não por exclusão, não por aprovação ou condenação ou comparação, que vem o entendimento.

( AUTOCONHECIMENTO - Palestra de Krishnamurti realizada em Ojai, Califórnia, EUA, 1944 )

Por que a sociedade estará entrando em colapso, desmoronando como é certamente o que está ocorrendo ? Uma das razões fundamentais é que o indivíduo - você - deixou de ser criativo. Deixe-me explicar o que quero dizer. Você e eu nos tornamos imitadores, estamos copiando, interior e exteriormente. Exteriormente, quando aprendemos uma técnica, quando nos comunicamos uns com os outros em nível verbal, naturalmente tem que haver certo grau de imitação ou de cópia. Eu copio palavras.

Para se tornar um engenheiro, preciso inicialmente aprender as técnicas e, a seguir, usar a técnica para construir uma ponte. Deve haver certa dose de imitação, e de cópia nas técnicas exteriores, mas quando existe imitação interior, psicológica, certamente deixamos de ser criativos. Nossa educação, nossa estrutura social, nossa chamada vida religiosa, todas elas se baseiam na imitação; ou seja, eu me encaixo em determinada fórmula social ou religiosa. Deixei de ser um indivíduo real; psicologicamente, tornei-me uma mera máquina repetidora, com certas respostas condicionadas, sejam elas budistas, cristãs, hindus, alemãs ou inglesas. Nossas respostas são condicionadas de acordo com o padrão da sociedade, seja ela oriental, ocidental, religiosa ou materialista. Assim uma das causas fundamentais da desintegração da sociedade é a imitação, e um dos agentes desintegradores é o líder, cuja verdadeira essência é a imitação.

Para que possamos compreender a natureza da sociedade em desintegração, não será importante indagar se eu e você, se o indivíduo, pode ser criativo ? Podemos perceber que quando existe imitação existe desintegração, quando existe autoridade existe cópia. E já que toda a nossa constituição mental e psicológica se baseia na autoridade, para que possamos nos tornar criativos é preciso que nos libertemos da autoridade. Não terão vocês notado que nos momentos de maior criatividade, naqueles momentos realmente felizes de interesse vital, não existe o senso de repetição e não sentimos que estamos copiando ? Esses momentos são sempre novos, diferentes, criativos e felizes. Vemos, assim, que uma das causas fundamentais da desintegração da sociedade é a cópia, e a adoração da autoridade é isso.

( Sobre o Viver Correto - Edit. Cultrix - págs. 28 a 31 )




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