O pensamento não é amor
autoconhecimento

O pensamento não é amor


Tudo é relação; a nossa própria existência é relação. Observem o que fazemos com as nossas relações uns com os outros, sejam elas íntimas ou não. Em toda relação há um tremendo conflito, luta — por quê? Por que os seres humanos, que vivem há mais de milhões de anos, não resolveram esse problema da relação? Assim, vamos esta manhã pensar juntos a esse respeito. Vamos observar juntos o que é, na realidade, a relação entre um homem e uma mulher. Toda a sociedade está baseada no relacionamento. Não há sociedade se não houver relacionamento; a sociedade torna-se, então, uma abstração.

Observamos que existe conflito entre o homem e a mulher. O homem tem os seus próprios ideais, as suas próprias buscas, as suas ambições próprias, está sempre procurando o sucesso, ser alguém no mundo. E a mulher também está lutan­do, também está querendo ser alguém, querendo realizar-se, transformar-se. Cada um está buscando sua própria direção. Assim, homem e mulher são como duas ferrovias que correm paralelas, nunca se encontram, a não ser, talvez, na cama, mas de outro modo — se vocês observarem profundamente — nunca na realidade se encontram psicologicamente, interior­mente. Por quê? Essa é a questão. Quando perguntamos por que, estamos sempre perguntando pela causa; pensamos em termos de causação, na esperança de que, se pudermos enten­der a causa, então, talvez, possamos mudar o efeito.

Assim, estamos fazendo uma pergunta muito simples e muito complexa: por que nós, seres humanos, não fomos capazes de resolver este problema do relacionamento, embora vivamos sobre esta terra há milhões de anos? Será porque cada um tem a sua imagem particular e especial, formada pelo pensamento, e que o nosso relacionamento se baseia em duas imagens, a imagem que o homem cria dela, da mulher, e a imagem que a mulher cria dele? Assim, neste relaciona­mento, somos como duas imagens que vivem juntas. Isso é um fato. Se vocês observarem por vocês mesmos, com muito cuidado, se é possível fazer esta observação, vocês terão criado uma imagem dela e ela criou um quadro, uma estrutura verbal de você, o homem. Assim, o relacionamento é feito entre estas duas imagens. Essas imagens foram formadas pelo pensamento. E o pensamento não é amor. Todas as lembranças desse relacionamento, de um com o outro, os quadros, as conclusões de um a respeito do outro, se observarmos cuidadosamente, sem qualquer preconceito, são produto do pensamento; são o resultado de várias lembranças, experiências, irritações e solidões e, assim, o nosso relacionamento de um com o outro não é amor, mas a imagem que o pensamento formou. Assim, se devemos entender a realidade das relações, temos que enten­der todo o movimento do pensamento, porque vivemos pelo pensamento; todas as nossas ações se baseiam no pensamento, todos os grandes edifícios, as catedrais, igrejas, templos e mes­quitas do mundo são o resultado do pensamento. E tudo dentro destes edifícios religiosos — as figuras, os símbolos, as imagens — tudo é invenção do pensamento. Não há como refutar isso. O pensamento criou não apenas os mais maravi­lhosos edifícios e o conteúdo desses edifícios, mas também criou os instrumentos da guerra, a bomba sob todas as suas formas. O pensamento também produziu o cirurgião e os seus maravilhosos instrumentos, tão delicados na cirurgia. E o pen­samento também produziu o carpinteiro, o seu estudo da madeira e os instrumentos que ele usa. O conteúdo de uma igreja, a habilidade de um cirurgião, a perícia do engenheiro que constrói uma bela ponte, tudo é resultado do pensamento — não há como refutar isso. Assim, temos que examinar o que é o pensamento e por que os seres humanos vivem do pensamento e por que o pensamento produziu esse caos no mundo — a guerra e a falta de relacionamento de uns com os outros — examinar a grande capacidade do pensamento, com a sua extraordinária energia. Também devemos perceber como o pensamento trouxe, durante milhões de anos, esse pesar para a humanidade. Por favor, observemos isto juntos, vamos examinar isto juntos. Não se oponham apenas ao que o conferencista está dizendo, mas examinemos juntos o que ele está dizendo, de modo que possamos entender o que está realmente acontecendo a todos nós, seres humanos, pois nós estamos nos destruindo.

O pensamento é uma resposta da lembrança das coisas passadas; ele também se projeta como esperança para o futuro. A memória é o conhecimento; o conhecimento é a memória da experiência. Isto é: há a experiência, da experiência se faz o conhecimento como memória e pela memória vocês agem. Com essa ação vocês aprendem, o que quer dizer mais conhecimento. Assim, vivemos neste ciclo — experiência, memória, conhecimento, pensamento e daí para a ação — sempre viven­do dentro do campo do conhecimento.

Falamos sobre uma coisa muito séria. Não se trata de algo para um fim de semana, para ouvir casualmente; trata-se de algo que está relacionado com uma mudança radical da consciência humana. Assim, temos que pensar em tudo isto, olhar juntos e perguntar por que nós, seres humanos, que vive­mos nesta terra há tantos milhões de anos, ainda somos o que somos. Podemos ter avançado tecnologicamente, ter melhores meios de comunicação, melhor transporte, higiene, e assim por diante, mas, internamente, somos mais ou menos os mesmos — infelizes, inseguros, solitários, carregando o pesar interminavelmente. E qualquer homem sério, quando se de­fronta com este desafio, deve responder a ele, não pode aceitá-lo casualmente, dar as costas. É por isso que essas reuniões são muito sérias, mas muito sérias mesmo, porque temos que aplicar as nossas mentes e os nossos corações para descobrirmos se é possível produzir uma mutação radical em nossa consciência e, portanto, em nossa ação e comporta­mento.

O pensamento nasce da experiência e do conhecimento, e não há nada absolutamente sagrado a respeito do pensamen­to. Pensar é um ato materialista, é um processo da matéria. E nós confiamos no pensamento para resolver os nossos pro­blemas na política, nas religiões e nas nossas relações. O nosso cérebro, a nossa mente, são condicionados, educados para resolver os problemas. O pensamento criou os problemas e, depois, o nosso cérebro, a nossa mente, são treinados para resolvê-los com mais pensamento. Todos os problemas são criados, psicologicamente, interiormente, pelo pensamento. Acompanhem o que acontece. O pensamento cria o problema, psicologicamente; a mente é treinada para resolver os problemas com mais pensamento; assim o pensamento, ao criar o problema, tenta, depois, resolvê-lo. Assim, ele é preso num processo contínuo, numa rotina. Os problemas estão se tornan­do cada vez mais complexos, mais insolúveis; por isso, devemos descobrir se é possível abordarmos a vida de um modo diferen­te, não através do pensamento, porque o pensamento não resolve os nossos problemas; pelo contrário, o pensamento produziu uma complexidade maior. Devemos descobrir se é possível ou não, se há uma dimensão diferente, uma abordagem totalmente diferente da vida. Por isso, é importante entender a natureza do nosso pensamento. O nosso pensamen­to se baseia na lembrança das coisas passadas — pensar no que aconteceu uma semana atrás, pensar nisto modificado no presente e projetá-lo no futuro. Este é realmente o movimento da nossa vida. Assim, o conhecimento tornou-se muito importante para nós, mas o conhecimento nunca se completa. Por­tanto, o conhecimento sempre vive dentro da sombra da igno­rância. Esse é um fato. Não é invenção ou conclusão do conferencista, mas é assim.

O amor não é lembrança. O amor não é conhecimento. Amor não é desejo ou prazer. Lembrança, conhecimento, desejo e prazer estão baseados no pensamento. O nosso relacionamento de uns com os outros, embora próximo, se for olhado com cuidado, baseia-se na lembrança, que é pensamento. Assim, essa relação — embora vocês possam dizer que amam as suas esposas ou os seus maridos ou as suas namoradas — está, na realidade, baseada na lembrança, que é pensamento. E nisso não há amor. Vocês percebem realmente esse fato? Ou vocês dizem: "Que coisa mais terrível de se dizer. Eu realmente amo a minha esposa." Mas será mesmo? Pode haver amor quando há ciúme, posse, ligação, quando cada um está perseguindo sua própria e particular ambição, cobiça e inveja, como duas linhas paralelas que nunca se encontram? Isso é amor?

Espero que estejamos pensando juntos, observando jun­tos, como dois amigos que caminham por uma estrada e veem o que está à sua volta, não apenas aquilo que está muito pró­ximo e pode ser imediatamente percebido, mas o que está à distância. Estamos fazendo a viagem juntos, talvez afetuosa­mente, de mãos dadas — dois amigos examinando amigavel­mente o complexo problema da vida; nenhum deles é líder ou guru, porque quando vemos, na realidade, que a nossa consciência é a consciência do resto da humanidade, então percebemos que somos tanto o guru quanto o discípulo, tanto o professor quanto o aluno, porque tudo isso está na nossa consciência. Esta é uma percepção extraordinária. Assim, quando começamos a nos entender profundamente, nós nos tornamos uma luz para nós mesmos e não ficamos dependendo de uma pessoa, de um livro ou de uma autoridade — inclusive esta do conferencista — de modo que somos capazes de entender todo este problema do viver e do ser uma luz para nós mesmos.

O amor não tem nenhum problema e, para entender a natureza do amor e da compaixão com a sua própria inteligên­cia, devemos entender juntos o que é o desejo. O desejo possui uma extraordinária vitalidade, uma extraordinária persuasão, impulso, alcance; todo o processo do vir a ser, do sucesso, está baseado no desejo — desejo que faz com que nos compa­remos uns com os outros, imitemos, nos conformemos. É muito importante, ao entendermos a nossa natureza, enten­der o que é o desejo; não suprimi-lo, não fugir dele, não trans­cendê-lo, mas entendê-lo, perceber todo o seu ímpeto. Pode­mos fazer isso juntos, o que não quer dizer que vocês então estejam aprendendo com o conferencista. O conferencista nada tem para lhes ensinar. Por favor, percebam isso. O confe­rencista está apenas agindo como um espelho no qual vocês podem se ver. Então, quando vocês se virem claramente, poderão descartar o espelho; ele não terá mais nenhuma importância, podem quebrá-lo.

Entender o desejo exige atenção, seriedade. É um problema muito complexo entender por que os seres humanos viveram desta extraordinária energia do desejo, assim como da energia do pensamento. Qual é a relação entre o pensamento e o desejo? Qual é a relação entre o desejo e a vontade? Vive­mos muito pela vontade. Assim, qual é o movimento, a fonte, a origem do desejo? Se nos observarmos, veremos a origem do desejo; ele começa com as respostas sensoriais; depois, o pensamento cria a imagem e, neste momento, começa o desejo. Vemos algo na vitrina, um vestido, uma camisa, um carro, seja lá o que for — nós vemos isso — sensação —, e en­tão o tocamos, e então o pensamento diz: "se eu vestir esta camisa ou vestido, como vai ficar bem" — isso cria as imagens e, então, começa o desejo. Assim, a relação entre o desejo e o pensamento é muito próxima. Se não houvesse o pensamento, haveria apenas a sensação. O desejo é a quintessência da vonta­de. O pensamento domina a sensação e cria o estímulo, o de­sejo, a vontade de possuir. Quando o pensamento opera no relacionamento — que é a lembrança, que é a imagem que um cria do outro pelo pensamento — não pode haver amor. O desejo, o desejo sexual ou outras formas de desejo, impede o amor, porque o desejo faz parte do pensamento.

Krishnamurti — A Rede do Pensamento — Cultrix — Pág. 88 à 94




- Sobre O Processo E A Natureza Do Pensamento
A crise está na própria natureza do pensamento. O mundo exterior e o mundo interior são frutos do pensamento. O pensamento é um processo material. O pensamento construiu a bomba atômica, o vaivém espacial, o computador, o robô, e todos os armamentos...

- Há Uma Percepção Pura Eliminadora Do Conflito Humano?
(...) Vamos descobrir juntos — não concordar, não como se fosse um conceito verbal intelectual — se há uma percepção, uma ação, que terminará com o conflito, não gradualmente, mas imediatamente. Quais são as implicações disso? O cérebro,...

- O Pensamento E O Tempo São Indivisíveis
Estamos caminhando juntos para ver se é possível o cérebro ficar livre do conflito. Vivemos com o conflito desde que nascemos, e assim continuaremos até a morte. Há a luta constante para ser, para ser alguma coisa espiritualmente, como se diz, ou...

- Pode O Tempo Psicológico Determinar O Fim Do Conflito Humano?
Para observar claramente, é óbvio, é preciso ser livre para olhar. Se alguém se apega às suas experiências, julgamentos e preconceitos particulares, então não é possível pensar com clareza. A crise do mundo que está bem a nossa frente exige,...

- Tempo, Conhecimento, Memória, Pensamento São Um único Movimento
A consciência humana é semelhante em todos os homens... É formada de muitas camadas de medo, ansiedades, prazeres, pesares e todas as formas de fé. De vez em quando, talvez, nessa consciência há também o amor, a compaixão e, nessa compaixão,...



autoconhecimento








.