Por que dependemos psicologicamente de outra pessoa?
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Por que dependemos psicologicamente de outra pessoa?


A dependência não é a negação da liberdade? Tire-se a casa, o marido, os filhos, as posses — o que é um ente humano, se tudo isso lhe é retirado? Em si próprio, ele é insuficiente, vazio, sem rumo. Assim, por causa desse vazio, de que tem medo, ele depende de posses, pessoas e crenças. Você pode se sentir tão seguros das coisas de que depende que não possa imaginar a possibilidade de perde-las — o amor de seus filhos, e o conforto que ele proporciona. Todavia, o medo continua existente. Portanto, deve ficar bem claro para nós que qualquer forma de dependência psicológica gera inevitavelmente medo, ainda que as coisas de que dependemos possam nos parecer quase indestrutíveis. O medo se origina dessa insuficiência interior, dessa pobreza e vazio interiores. Assim, você está vendo que temos agora três questões: a sensibilidade, a dependência e o medo? Três coisas relacionadas entre si. Consideremos a sensibilidade: Quanto mais sensível a pessoa (a menos que saiba ser sensível sem dependência, saiba ser vulnerável, sem angústia), tanto mais depende. Agora, a dependência: Quanto mais a pessoa depende, tanto maior o seu desprazer e a necessidade de libertar-se. Essa necessidade de liberdade dá mais força ao medo, porque é uma reação, e não libertação da dependência.
Interrogante: E você — depende de alguma coisa?

Krishnamurti: Decerto, fisicamente dependo de alimentação, roupas e moradia, mas, psicologicamente, interiormente, não dependo de coisa alguma — nem de deuses, nem da moralidade social, nem de crenças, nem de pessoas. Mas, não é relevante saber se eu sou ou não sou dependente. Portanto, continuemos. O medo é o percebimento de nosso vazio, de nossa solidão e pobreza interiores, e de não haver possibilidade de fazermos alguma coisa a tal respeito. O que nos interessa aqui é só esse medo que gera a dependência e, por sua vez, é aumentado pela dependência. Se compreendemos o medo, compreendemos também a dependência. Portanto, para compreendermos o medo, é indispensável a sensibilidade, para descobrirmos, percebermos como ele se origina. Se o indivíduo é suficientemente sensível, torna-se consciente de sua medonha vacuidade — desse abismo sem fundo que não se pode encher com o vulgar entretenimento das drogas, nem com o entretenimento das igrejas ou das diversões sociais; nada o preencherá. Sabendo-se disso, cresce o medo. Este nos impele à dependência, e esta dependência nos torna cada vez mais insensíveis. E, vendo que é assim realmente, sentimos medo. A questão, pois, agora, é de ultrapassarmos esse vazio, essa solidão, e não de aprendermos a depender de nós mesmos, ou de disfarçarmos permanentemente o nosso vazio.

Interrogante: Porque você diz que a questão não é de dependermos de nós mesmos?

Krishnamurti: Porque, dependendo de você mesmo, perde a sensibilidade; você se torna endurecido, indiferente e "fechado". Viver sem dependência, ultrapassar a dependência, não significa se tornar dependente de si próprio. Pode a mente enfrentar aquele vazio e com ele viver, sem fugir em direção alguma?

Interrogante: Eu enlouqueceria, só de pensar em viver com ele para sempre.

Krishnamurti: Todo movimento para nos afastarmos desse vazio é uma fuga. E essa fuga de uma coisa, essa fuga de "o que é" é medo. O medo é a fuga de alguma coisa. "O que é" não é medo, a fuga é que é o medo, e esta fuga é que poderá lhe enlouquecer, e não o próprio vazio. O que é, pois, esse vazio, essa solidão? Como ele surge? Ele surge, decerto, por causa da medição e comparação. Comparo-me com o santo, o Mestre, o grande músico, o erudito, o homem que se "realizou". Nessa comparação, vejo-me incompleto, insuficiente; não tenho talento, sou inferior, não me "realizei"; eu não sou, e aquele homem é. Assim, em consequência do medir e comparar, nos vem o horrível sentimento de vazio, de sermos "nada". E a fuga a esse vazio é medo. E o medo nos impede de compreender esse abismo sem fundo. É uma neurose que de si própria se nutre. E, também, a medida, a comparação, é essência mesma da dependência. Aqui estamos, pois, de volta à dependência; um circulo vicioso.

Interrogante: Percorremos uma longa distância nesta nossa palestra, e as coisas se tornaram mais claras. Há dependência; é possível não dependermos? Sim, acho que é possível. Em seguida o medo; é possível não fugirmos do vazio de maneira nenhuma, isto é, não fugirmos por medo? Sim, creio ser possível. Isso significa que ficamos com o vazio. É, então, possível, enfrentar esse vazio, já que deixamos de fugir dele pelo medo? Sim, creio ser possível. E, por último, é possível não medir, não comparar? Porque, se chegamos até este ponto — e acho que chegamos — nos resta então, unicamente, o vazio, e vemos que ele é o resultado da comparação. E vemos, também, que a dependência e o medo provem desse vazio. Temos, pois, a comparação, o vazio, o medo, a dependência. Posso realmente viver uma vida isenta de comparação, de medida?

Krishnamurti: Naturalmente, você tem de tirar as medidas para colocar um tapete no assoalho!
Interrogante: Sim. Quero dizer: Posso viver sem comparação psicológica?

Krishnamurti: Você sabe o que significa viver sem comparação psicológica, quando em toda a sua vida você foi condicionado para comparar — na escola, nos jogos, na universidade, no escritório? Tudo é comparação. Viver sem comparação! Você sabe o que isso significa? Significa que não há dependermos de outros nem de nós mesmos, não há buscar nem indagar; por conseguinte, significa — amar. O amor desconhece a comparação e, portanto, o amor desconhece o medo. O amor não tem consciência de si próprio como "amor"; porque a palavra não é a coisa.

Krishnamurti — A luz que não se apaga




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