Por que mantêm-se um padrão idiota, irracional de encarar as coisas?
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Por que mantêm-se um padrão idiota, irracional de encarar as coisas?


K: ...Estávamos falando outro dia a respeito da eliminação do tempo. Os cientistas, através da investigação da matéria, querem descobrir esse ponto. As chamadas pessoas religiosas têm se empenhado em descobrir — não apenas verbalmente — se o tempo pode parar. Nós entramos um pouco nisso, e chegamos à conclusão de que é possível que um ser humano que escute, consiga encontrar, através da visão intuitiva, o final do tempo. Pois a visão intuitiva não é memória. Memória é tempo, memória é experiência, conhecimento, armazenados no cérebro, e assim por diante. Enquanto ela estiver funcionando, não existirá qualquer possibilidade de termos qualquer visão intuitiva com relação a alguma coisa. Estou me referindo à visão intuitiva total e não à parcial. O artista, o cientista, o músico, todos eles têm visões intuitivas parciais e portanto ainda estão vinculados ao tempo.

É possível termos uma visão intuitiva total, o que representa o fim do "mim", porque o "mim" é o tempo? O "mim", meu ego, minha resistência, minhas mágoas, tudo isso. Esse "mim" pode acabar? É somente quando ele acaba que ocorre a visão intuitiva total; foi isso que descobrimos.

Depois abordamos a pergunta: é possível a um ser humano eliminar completamente toda essa estrutura do "mim"? Respondemos que sim e nos aprofundamos mais no assunto. Muito poucas pessoas prestarão atenção a isso porque é por demais aterrorizante. Surge então a pergunta: se o "mim" terminar, o que encontraremos? Apenas o vazio? Não há interesse nisso; mas se estivermos investigando sem qualquer sentimento de recompensa ou de punição, então existirá alguma coisa. Dizemos que tal coisa é o vazio total, que é energia e silêncio. Bem, isso soa bonito, mas não tem qualquer significado para um homem comum que seja sério e que queira ir além disso, além de si mesmo. Fomos ainda mais adiante e perguntamos: existe alguma coisa além disso tudo? E dissemos que há.

DB: A base.

K: A base. Será que o começo dessa investigação é escutar? Será que eu, como um ser humano, abandonarei completamente minha atividade egocêntrica? O que fará com que eu me afaste dela? O que fará com que um ser humano se afaste dessa atividade destrutiva e autocentrada? Se ele se afastar devido à recompensa ou ao castigo, isso representará apenas outro pensamento, outro motivo. Portanto, descartemos isso. O que fará, então, com que os seres humanos renunciem — se eu puder usar essa palavra — renunciem completamente a ela sem qualquer motivo?

Veja, o homem tentou tudo com esse objetivo — o jejum, a tortura de si mesmo sob diversas formas, a auto-abnegação através da crença e a negação de si próprio por meio da identificação com algo superior. Todas as pessoas religiosas tentaram, mas o "mim" ainda está presente.

DB: Sim. Toda a atividade não tem significado, mas de algum modo isso não se torna evidente. As pessoas se afastarão de algo que não tenha significado, e que não faça sentido, corriqueiramente falando. Parece, contudo, que a percepção desse fato é rejeitada pela mente. A mente resiste a isso.

K: A mente resiste a esse conflito permanente, e se afasta dele. 

DB: Ela se afasta do fato de que o conflito não tem significado. 

K: As pessoas não percebem isso.

DB: A mente também está organizada deliberadamente para não percebê-lo. Ela o evita quase que deliberadamente, mas não propriamente de modo consciente, como o fazem as pessoas na Índia que dizem que vão se retirar para as montanhas do Himalaia porque não há nada a ser feito.

K: Mas isso é inútil. Você quer dizer que a mente, por ter vivido tanto tempo no conflito, recusa-se a se afastar dele?

DB: Não está claro porque ela se recusa a abandoná-lo; porque a mente não quer enxergar que o conflito não tem qualquer sentido. A mente está enganando a si própria, está querendo se proteger.

K: Os filósofos e as chamadas pessoas religiosas enfatizaram a luta, enfatizaram a importância do esforço e do controle. Será esse um dos motivos pelo qual os seres humanos se recusam a abandonar o seu modo de viver?

DB: Possivelmente. Eles acham que através da luta ou do esforço alcançarão um melhor resultado. Eles não querem desistir do que possuem, e sim melhorá-lo através de intenso esforço.

K: O homem já viveu dois milhões de anos; o que ele conseguiu? Mais guerras, mais destruição.

DB: O que estou tentando dizer é que as pessoas tendem a não querer ver isso, mas também se inclinam a voltar atrás com a esperança de que a luta produza algo melhor.

K: Não estou bem certo se esclarecemos esse ponto, ou seja, que os intelectuais — estou empregando essa palavra respeitosamente — os intelectuais do mundo tenham enfatizado esse fator de luta.

DB: Creio que muitos deles o fizeram.

K: A maioria deles.

DB: Karl Marx
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K: Marx e até Bronowski, que falam de mais e mais luta, e da aquisição de mais e mais conhecimento. Será que os intelectuais têm uma influência tão extraordinária nas nossas mentes?

DB: Acho que as pessoas fazem isso sem qualquer estímulo por parte dos intelectuais. Veja bem, a luta tem sido enfatizada por toda parte.

K: É isso que eu quis dizer. Por toda parte. Por quê?

DB: Bem, no início as pessoas pensaram que ela seria necessária porque tinham de lutar contra a natureza para poderem sobreviver.

K: Então a luta contra a natureza foi transferida para as outras pessoas?

DB: Sim, uma parte dela. Entenda, temos que ser bravos caçadores, e temos de lutar contra nossas próprias fraquezas para nos tornarmos corajosos, caso contrário não podemos fazê-lo.

K: Sim, exatamente. Será então que as nossas mentes estão condicionadas, moldadas e sustentadas por esse padrão?

DB: Bem, isso é certamente verdadeiro, mas não explica porque é tão excessivamente difícil mudá-lo.

K: Porque estamos acostumados a ele. Estamos numa prisão, mas estamos acostumados com ela.

DB: Mas acho que existe uma tremenda resistência a nos afastarmos dela.

K: Por que um ser humano resiste a isso, quando nos aproximamos e mostramos a falácia e a irracionalidade de tudo isso, apontamos toda a causa e o efeito, damos exemplos, apresentamos dados, e tudo o mais? Por quê?

DB: É isso que eu disse: se as pessoas fossem capazes de ser completamente racionais, elas abandonariam tudo isso; mas penso que existe algo mais com relação ao problema. Veja, podemos expor sua irracionalidade, mas existe alguma coisa mais, no sentido de que as pessoas não estão completamente conscientes de todo esse padrão de pensamento. Depois de ser revelado em determinado nível, ele ainda continua presente em níveis dos quais a pessoa não tem consciência.

K: E o que os tornaria conscientes?

DB: E isso que temos que descobrir. Acho que as pessoas têm que se tornar conscientes de que possuem essa tendência de prosseguir com o condicionamento. Pode ser um simples hábito, ou pode ser o resultado de muitas conclusões passadas que estão todas operando agora sem as pessoas saberem. Existem muitas coisas diferentes que mantêm as pessoas nesse padrão. Poderemos convencer alguém de que o padrão não faz sentido, mas quando se trata dos assuntos objetivos da vida, essa pessoa procederá de mil maneiras diferentes que implicam esse padrão.

K: Realmente. E depois?

DB: Bem, acho que uma pessoa teria que estar extremamente interessada nisso para destruí-lo completamente.

K: O que levará, então, os seres humanos a esse estado de extremo interesse? Veja bem, já lhes ofereceram o céu como recompensa se fizessem isso. Várias religiões tiveram essa atitude, embora isso se torne excessivamente infantil.

DB: A recompensa representa parte do padrão. Normalmente, a regra é que eu siga o padrão auto-envolvente a não ser que surja algo realmente importante.

K: Uma crise.

DB: Ou quando esperamos obter uma recompensa.

K: Naturalmente.

DB: Esse é um padrão de pensamento. As pessoas devem de algum modo acreditar que ele tem valor. Se todo mundo fosse capaz de trabalhar em conjunto e de repente pudéssemos criar a harmonia, todo mundo diria: está bem, eu também renunciarei. Na ausência disso, porém, as pessoas preferem se agarrar ao que possuem! Esse é o tipo de pensamento.

K: Agarrar-se ao que é conhecido.

DB: Eu não tenho muito, mas é melhor que eu me prenda a isso.

K: Sim. Está dizendo, então, que se todo mundo fizer isso, eu também o farei?

DB: Essa é a forma comum de pensamento. Porque tão logo as pessoas começam a cooperar numa emergência, um grande número começa a aderir.

K: Então elas formam comunas. Mas todas elas falharam.

DB: Porque depois de algum tempo essa coisa especial desaparece e as pessoas caem no antigo padrão.

K: O antigo padrão. Então eu pergunto: o que fará com que um ser humano rompa esse padrão?

(...)

I: Você está colocando a pergunta em termos de uma ação, de um rompimento, de uma renúncia. Isso não é uma questão de percepção?

K: Sim. Mostre-me, ajude-me a perceber, porque eu estou resistindo a você. Meu padrão, que está tão arraigado em mim, está me segurando — correto? Quero provas, quero ser convencido.

I: Temos de voltar à pergunta: por que eu quero ter provas? Por que desejo me convencer?

K: Porque alguém afirma que temos um modo idiota, irracional de encarar as coisas; e essa pessoa nos mostra todos os efeitos disso, a sua causa, e nós dizemos: sim, mas não podemos deixá-lo!

DB: Podemos dizer que essa é a própria natureza do "mim", que temos que atender às nossas necessidades, não importa quão irracionais elas sejam.

K: É isso que estou dizendo.

DB: Primeiramente, devo cuidar das minhas necessidades, e depois posso tentar ser racional.

K: Então, quais são as nossas necessidades?

DB: Algumas são reais e algumas são imaginárias, mas...

K: Sim, é isso. As necessidades imaginárias, ilusórias, dominam as outras necessidades.


Krishnamurti em, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO




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