O sofrimento não é meramente um choque aplicado á mente para despertá-la de sua própria insuficiência? O reconhecimento dessa insuficiência cria aquilo que chamamos tristeza. Suponham que vocês vem confiando em seu filho, marido ou esposa para satisfazer esta insuficiência; desta falta de plenitude, por motivo da perda dessa pessoa a quem amavam, é criada a consciência plena dessa vacuidade, desse vazio; e dessa vacuidade advém a tristeza e vocês dizem: "eu perdi alguém".
Assim, em virtude da morte, dá-se, em primeiro lugar, a plena consciência da vacuidade que vocês cuidadosamente tem evitado. Daí, onde houver dependência, sentimento de vazio, de insuficiência, há portanto, tristeza e dor. Nós não queremos reconhecer isto; não vemos que está é a causa fundamental de tudo isto. E assim, começamos a dizer: "perdi, o meu amigo, meu marido, minha esposa, meu filho. Como superar esta perda?" Como vencerei a tristeza?"
Todo este vencer e superar não é mais do que substituição. Nele não há entendimento e, portanto, só pode haver mais sofrimento, embora momentaneamente encontrem uma substituição, que lhes faça a mente afundar num completo sono. Se não buscarem superar, vencer o sofrimento, então vocês se voltam para as sessões espíritas, para o médiuns ou buscam por abrigo na prova cientifica de que a vida continua após a morte.
Assim, vocês começam a descobrir vários tipos de fuga e de substituição, que momentaneamente lhes aliviam do sofrimento. Ao passo que se tivesse lugar — a cessação desse desejo de vencer e se realmente existisse o desejo de compreender, de averiguar, fundamentalmente, o que causa dor e tristeza, então vocês descobririam que, enquanto houver solidão, sensação de vacuidade, de insuficiência, em, em sua expressão externa, representam dependência, tem de haver dor. E não lhes é possível preencher esta insuficiência, pelo domínio dos obstáculos, por meio de substituições, fugindo ou acumulando, que nada mais é do que esperteza da mente engolfada na conquista do lucro.
O sofrimento é apenas essa alta, intensa claridade do pensamento e emoção, que lhes força a reconhecer as coisas tais como são. Isto, porém, não implica aceitação, resignação.
Quando vocês, no espelho da verdade, veem as coisas tais como são, o que é inteligência, há alegria, há êxtase; nisso não há dualidade, nem sentimento de perda, nem divisão.
Eu lhes afirmo que isto não é teoria. Se refletirem sobre o que estou agora dizendo, verão como a memória cria uma dependência, cada vez maior, o contínuo retrocesso a um acontecimento emocional, para dele extrair uma reação, a qual impede a plena expressão da inteligência no presente.
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Precisamos compreender as causas fundamentais da luta e do sofrimento e, então, a nossa ação, inevitavelmente, trará uma completa mudança.Todo o nosso interesse deveria orientar-se, não no sentido de resolver qualquer problema particular, não em direção a qualquer fim determinado ou objetivo definido, porém, na direção do entendimento da vida como um todo, integro. Para fazer isto, as limitações que foram opostas à mente e que estropiam o pensamento e ação têm de ser discernidas e dissipadas. Se o pensamento estiver, realmente, livre dos inúmeros empecilho que lhe impusemos em nossa busca de segurança, então, defrontaremos a vida como um todo e nisto se encontra grande felicidade. A mente cria a autoridade, e torna-se sua escrava, e daí a ação impedida constantemente, mutilada, sendo isso a causa do sofrimento. Se observarem o pensamento de vocês, verão como ele está aprisionado entre o passado e o futuro. O pensamento está continuamente bitolando-se, guiando-se pelo passado e ajustando-se ao futuro; a ação torna-se assim incompleta no presente, o que cria em nossas mentes a ideia do não preenchimento, de onde surge o temor da morte, a cogitação do além e as muitas limitações nascidas do ser incompleto.
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Há muitas espécies de sofrimento, e se começarem a discernir a sua causa, perceberão que o sofrimento deve coexistir com a exigência, por parte de cada indivíduo, de se sentir seguro, seja financeiramente, seja espiritualmente, ou ainda nas relações humanas. Onde houver busca de segurança grosseira, ou sutil que seja, tem de haver medo, exploração e tristeza.
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Como a maioria dentre nós está sendo adestrada, ou já o foi, para se torcer e se adaptar a um molde particular, não podemos ver a formidável importância, que há em considerar os múltiplos problemas humanos como um todo, sem dividi-los em várias categorias. E dado o fato de termos sido adestrados e torcidos, temos de nos libertar do molde imposto e reconsiderar, agir de novo, a fim de compreendermos a vida em conjunto. Isto exige que cada indivíduo, por meio do sofrimento, se liberte do medo.
Visto que haja múltiplas formas de medo, o medo social, o econômico e o religioso, no entanto, só há uma causa para ele, que é a busca de segurança. Quando, individualmente, destruirmos as paredes e as fórmulas que a mente criou para proteger a si mesma, por esse modo produzindo o medo, então se manifestará a verdadeira inteligência, que trará ordem e felicidade a este mundo de caos e sofrimento.
Aquilo que vocês são forçados a fazer, por meio do sofrimento, pode ser feito naturalmente, graciosamente.
Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK