O verdadeiro conhecimento, a verdadeira felicidade.
autoconhecimento

O verdadeiro conhecimento, a verdadeira felicidade.


Vocês podem viver inteligentemente neste mundo, de maneira sã, em plenitude profunda e, apesar disso, não ser do mundo.

A personalidade pode fenecer e morrer; porém, para o homem que realiza a plenitude, a tranquilidade da mente, para esse existe a segurança da imortalidade

Quando a mente está liberta de todo o eu-consciência, portanto, de toda a ação que brota do egoísmo, ela não mais conhece sujeito nem objeto, pensador nem pensamento.

Uma tal mente acha-se revestida de amor, do qual toda particularidade de sentir e de pensar como objeto e sujeito se acha inteiramente ausente, sendo esse amor, então, como o perfume de uma flor.

Isto não é teoria intelectual, e sim o viver em constante ajuste, em constante vigilância e acautelamento, de modo que de um tal apercebimento, que é resultante da busca, provenha a harmonia: a mente contendo o coração.

Para alcançar a harmonia, vocês precisam produzir a libertação do desejo — não a supressão do desejo.

Quando estiverem conscientes de suas qualidades, de si próprios — realmente conscientes — então não sentirão medo de examinar, não se assustarão com o conflito. Vocês necessitam fazer esforço, o esforço deliberado, consciente, para descobrir as próprias qualidades, os seus próprios extremos, as suas supressões.

Somente então serão capazes de realizar a libertação do desejo — a qual não é nem indiferença, nem tédio. Vocês necessitam penetrar em suas próprias mente e coração, para realizarem o êxtase da vida e não lhes é possível, em última análise, escapar desse esforço.

Sempre há fugas, enquanto não estiverem livres do desejo, e ninguém pode lhes livrar dele a não ser vocês mesmos, pelo próprio deleite, pela própria busca.

Quando tiver cessado todo desejo, então sentir é pensar, não há distinção entre mente e coração. Há então um intenso apercebimento, uma concentração que perde toda a distinção. É a concentração de uma flor. Esta concentração é infinita; porém, o que vocês chamam de amor e pensamento está infectado de resistência, cativeiro da mente e coração, portanto, de corrupção.

Se vocês fossem inconscientes, cruéis, então seriam semelhantes a um animal e não haveria luta ou conflito; porém, no saber que são cruéis e apesar disso ceder à crueldade, vocês criam este terrível turbilhão e caos, que existe na mente e no coração de vocês, o qual ninguém, a não ser vocês mesmos, pode apaziguar.

Para fazerem isto, necessitam estar incessantemente despertos, isto é, contemplar constantemente todo o pensamento e todo o sentimento que possuírem, na ação.

Pensem e sintam com toda profundidade, e verificarão como as suas mente e coração estão limitados pela opinião pública, pelo tradição, pelo sistema, pelas vaidades e temores pessoais.

No experimentar estes embaraços, descobrem a causa e, por intermédio dela, se esvai aquilo que impede a harmonia do pensamento e do sentimento.

O homem, pode viver harmoniosamente e, nessa harmonia, sua mente e coração são normais, sadios, plenos, completos, não oprimidos pelo medo.

Se quiserem verificar o que eu digo, precisam possuir mente plástica, ardente, pesquisadora e, pela própria pesquisa de vocês é que expelirão o temor. Não advém nenhum resultado de lutar cegamente contra o medo. Busquem a verdade e o medo cessará e, da intrepidez decorrente, provirá a plasticidade, a harmonia da mente e do coração e a plena realização desse êxtase da plenitude, de que falo. Esta plenitude é que é a realidade última e nessa realidade não há nascimento nem morte; ela sempre está renovando a si própria, e o homem que sabe disto é livre e vive nessa eternidade, no presente.

Se houvessem uns poucos no mundo que realmente compreendessem, poderíamos criar um mundo novo, alteraríamos a expressão da vida.

Se, porém, não houver entendimento, outra religião, outra seita, outra igreja, outro deus será criado.

Vocês estão sempre propelidos pelo medo de cair.

O homem criou Deus segundo sua própria imagem, conforme as ideias que extraiu dos livros sagrados, dos filósofos e místicos, de sua própria imaginação, apoiado nos seus preconceitos, no seu sofrimento, na sua busca de conforto, nos seus anseios, nas suas esperanças e antecipações.

Eu não posso lhes descrever Deus, ou a vida; se descrevesse essa viva realidade, não seria ela verdadeira. Aquilo que é sempre vivo, sempre móvel, que está sempre a se renovar, que se acha isento de tempo, não pode se amoldar a palavras. Tem de ser realizado, tem de ser sentido, compreendido, vivido.

Nenhuma definição, nenhuma descrição pode contê-lo.

Eu digo que existe uma realidade eterna, viva, chamem-na pelo nome que preferirem, Deus, verdade, vida, amor, ou ação.

A verdade é a plenitude do sentimento e do pensamento em ação, a intensidade do viver harmonioso, não em certo futuro distante, porém, sim no presente. A verdade não tem aspectos, por ser em si mesma completa. Vocês não podem se acercar da verdade

Por métodos ou sistemas; essas coisas são meramente o resultado de suas idiossincrasias particulares, de suas fantasias, esperanças e temores.

Vocês tem tido as suas religiões, as suas cerimônias, os seus livros, as suas maneiras complicadas de encarar a vida: estas coisas, porém, não lhes trouxeram felicidade.

Vocês devem cultuar aquilo que é incorruptível. Devem dar seu amor àquilo que está para além da estagnação.

O que há nisto que lhes causa medo?

O que há aí que possa causar desentendimento? Com todas as suas crenças, os seus sistemas, as suas cerimônias e os seus deuses, não são felizes. E, no entanto, sentem medo de abandoná-los.

Se suas crenças podem ser despedaçadas, não são dignas de serem conservadas. Se seus sistemas são tão frágeis que não podem resistir a tempestade da dúvida e da tristeza, merecem morrer.

Verifiquem se há dentro de vocês o êxtase do propósito e o poder de criar no eterno. Se não tiverem dentro de vocês o intenso interesse pela libertação, vocês, assim como as suas obras, não serão mais que passageiras sombras.

O que digo, não digo com rudeza. Dado, porém, serem infelizes, eu queria lhes mostrar o verdadeiro conhecimento, a verdadeira felicidade.

Sejam responsáveis perante vocês mesmos, por todas as suas ações.

Não busquem abrigo na autoridade exterior. Mantenham-se em seus próprios pés.

Para poderem dar preenchimento á vida, passem além de toda experiência. Para poderem ser grandes no amor, guardem afeto no coração de vocês para com todas as coisas.

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK





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